O Condutor das Estrelas
Augusto Queiroz

“Através dos dias e anos cósmicos que se sucedem, a Vontade Divina chama à Existência sóis, planetas e seres, em obediência à Lei...” (Cosmogênese, HPB)

- Quiçá haja vida também em outros orbes e em outras estrelas, filosofou o condutor, estimulado por poder mudar. E pensou que o importante mesmo era fazer o caminho, construir a ponte...  Pois a verdadeira criação – ele sabia – situa-se sempre do outro lado.

Sozinho, numa idade em que já lhe haviam sido revelados tantos segredos, tinha consciência plena de que todas as suas conquistas, grandes ou pequenas, transmutavam-se em nada ao acender da luz.

Que este momento seja a ponte, a esperada ligação entre a Terra e o Céu, ponderou. E se imaginou feliz por saber que o tempo tem muitas dimensões e poderia navegar de uma esfera a outra, sem receio.

No mais fundo de sua alma, alimentava uma certeza, que o dia-a-dia insípido e burocrático insistia em roubar-lhe.

“Não adianta fazer cena”, advertira-lhe o gerente. “Aqui o resultado e a produção é o que importam, para o deleite dos nossos clientes, fornecedores e acionistas”...

Alheio a tudo, o condutor executava a sua tarefa com esmero, numa espécie de transe que impossibilitava-lhe o devaneio.

O que poucos sabiam era da sua existência paralela, dos mundos secretos que habitava e dos contatos que, em silêncio, mantinha com seres de outra dimensão. Uma existência real, dissimulada por um sorriso e a ocorrência de vagas impressões.

Permitia-se o abuso, o achincalhe e as gozações dos amigos e colegas, lamentando apenas a falta de visão que os prendia à terra.

Não se levem tão a sério e verificarão que ficarão aliviados para um trabalho mais livre e mais potente, costumava dizer-lhes.

Mas, de concreto mesmo, somente a turba do dia a dia, o trânsito infernal e o barulho ensurdecedor da grande cidade, com seus caminhões de lixo, guardas, britadeiras, buzinas e percussões. E uma poluição insuportável.

Sozinho, na casa deserta, ele tecia sonhos, caminhando em círculos vezes infinitas, a ponto de se perder e se encontrar repetidas vezes. Percebia o mundo como uma muralha e um abismo, uma grande espiral e uma corrente vertiginosa de onde poderia lançar-se sem medo.

O espaço arrebenta onde arrebentam outros espaços, filosofou, fazendo eco às teorias da Física Quântica, segundo a qual um mesmo evento pode acontecer simultaneamente um sem número de vezes, em diferentes tempos e espaços.

Eppur Si Muove. E ainda assim se move, repetia, lembrando Galileu ao negar a teoria heliocentrista.
Em contemplação, sentia a conquista última daquele grande fator, o tempo. E, mais uma vez, sorria. Um sorriso tímido, contido, quase imperceptível, como costumava acontecer numa das muitas faces de Buda, o Iluminado, que ele gostava de representar.

O tempo é um senhor tão lindo, pensou. E, no entanto, extremamente cruel, que devora sem piedade suas criaturas e as coisas sujeitas ao seu ritmo, completou logo a seguir.

Apenas aquilo que não nasce nem morre não conhece a decrepitude, filosofou mais uma vez.

Com pequenas coisas se ocupava, embriagado, bêbado de amor pelas coisas minúsculas e os seus detalhes. Oscilava entre normas de conduta, palavras de sabedoria e desejos noturnos, incursões pelo mundo das formas e pequenos lampejos provenientes da sua alma.

- Quiçá haja vida também em outros orbes em outras estrelas, filosofou mais uma vez, estimulado por poder mudar. E pensou que o importante mesmo era fazer o caminho, construir a ponte...  Pois a verdadeira criação – ele sabia – estava sempre do outro lado. E a ele, e a mais ninguém, cabia atravessar o caminho que ele mesmo engendrara, deixando de lado as gosmas sujas e violentas da sua fúria e do seu descontentamento...

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Augusto Queiroz é jornalista e tradutor, poeta nas horas vagas e estudioso de longa data dos ensinamentos dos Mestres da Grande Fraternidade Branca, atualmente desenvolvendo trabalhos nas áreas da Comunicação e espiritualidade em Brasília - DF

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