Não se pode fazer qualquer coisa com a vida
Leonardo Boff

Em 1930, Freud escreveu "O Mal-Estar na Cultura" e já denunciava: "no lugar dos valores da vida se preferiu o poder, o sucesso e a riqueza, buscados por si mesmos". Hoje, tais fatores ganharam tal magnitude que o mal-estar se transformou em miséria na cultura. A COP-15 deu a mais cabal demonstração: para salvar os interesses nacionais não se teme pôr em risco o futuro do planeta.

A miséria da cultura se revela por dois sintomas: a decepção na sociedade e a depressão nas pessoas. Elas têm razão de ser. São consequência de uma crise de fé. A fé no progresso ilimitado, na onipotência da tecnociência, no sistema econômico-financeiro com o mercado como eixo da sociedade. A fé nesses deuses possuía seus credos, sumos sacerdotes, profetas, acólitos e fiéis.

Hoje, os fiéis entraram em profunda decepção porque tais deuses se revelaram falsos. Estão agonizando ou morreram. O G-20 procura ressuscitar seus cadáveres. Os professantes dessa religião de fetiche constatam que o progresso ilimitado devastou a natureza e é causa do aquecimento global; a tecnociência que tantos benefícios trouxe criou uma máquina de morte que só no século XX matou 200 milhões de pessoas; o sistema econômico-financeiro e o mercado foram à falência e, não fosse o dinheiro dos contribuintes, via Estado, teriam provocado uma catástrofe social. A decepção está estampada nos rostos perplexos dos líderes políticos.

Já Max Weber e Nietzsche haviam previsto tais efeitos ao anunciarem a secularização e a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois Deus que morre não é "Deus". Nietzsche é claro:

Deus não morreu, nós o matamos. Quer dizer, Deus, para a sociedade secularizada, não conta mais para a vida nem para a coesão social. Em seu lugar entrou um panteão de deuses. Como são ídolos, um dia, vão mostrar o que produzem: decepção e morte.

A solução não reside simplesmente na volta a Deus ou à religião. Mas em resgatar o que significam: a conexão com o todo, a percepção de que o centro deve ser ocupado pela vida e a afirmação de valores compartidos que podem conferir coesão à sociedade.

A decepção vem acolitada pela depressão. Esta é fruto tardio da revolução dos jovens dos anos 60. Aí se tratava de impugnar uma sociedade de repressão, especialmente sexual, cheia de máscaras sociais. Impunha-se uma liberalização generalizada. Experimentou-se de tudo. O lema era "viver sem tempos mortos; gozar a vida sem entraves". Isso levou à supressão de qualquer intervalo entre o desejo e sua realização.

Disso resultou a quebra de todos os tabus, a perda da justa medida e a completa permissividade. Surgiu uma nova opressão: o ser moderno, rebelde, sexy, e o se desnudar por dentro e por fora. O maior castigo é o envelhecimento. Projetou-se a saúde total, padrões de beleza, baniu-se a morte.

Pós-moderno, tal projeto fracassou, pois não se pode fazer qualquer coisa com a vida. Ela possui uma sacralidade intrínseca. Uma vez rompidos os limites, instaura-se a depressão. Decepção e frustração são receitas para a violência, para o consumo de ansiolíticos e para o suicídio, como vem ocorrendo.

Para onde vamos? Ninguém sabe. Somente sabemos que temos que mudar. Já se notam emergências que representam os valores perenes da condição humana. Precisa-se fazer o certo: o casamento com amor, o sexo com afeto, o cuidado com a natureza, a busca do "bem viver". A base para a felicidade é fruto da simplicidade voluntária e de querer ter menos para ser mais.

Isso é esperançador. Nessa direção há que se progressar.

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Fonte: www.leonardoboff.com

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