Descida e Sacrifício - O Significado Esotérico de Lúcifer

Há sempre uma escolha entre dois caminhos, e para o ser humano esta escolha deve ser guiada pelo livre arbítrio.

Sarah McKechnie

O mistério da descida à Terra ou "queda" dos anjos rebeldes - os anjos solares ou agnishvattas - consta ser o mistério aludido nas Escrituras, e "o segredo das idades" (Psicologia Esotérica II, p. 93 ). Assim, não é surpreendente que haja tanta confusão e mal-entendidos em relação aos "anjos caídos", dos quais Lúcifer é o representante mais conhecido.

O segredo dos "anjos caídos" é essencialmente o mistério que está por trás do próprio Plano da evolução para a vontade dos anjos solares "caírem", a sacrificarem-se para trazer à luz o princípio da mente para o que era então o homem animal. Marcou a entrada em ação da grande Lei da Dualidade, através da qual a matéria, a forma - negativa e passiva - pôde ser vivificada pelo Espírito. Este ato de sacrifício, na aurora da história humana, é um fio tecido ao longo de todas as grandes escrituras e mitologias do mundo, incluindo o mito de Prometeu que roubou o fogo (a mente) para o homem, a história bíblica do Filho Pródigo, que deixou a casa do Pai para empreender o caminho da experiência na vida da forma e dos sentidos - a viagem ao "país distante".

O papel dos anjos solares e seu sacrifício em prol da humanidade são discutidos em profundidade em A Doutrina Secreta de HP Blavatsky. De fato, em 1887, a revista da Sociedade Teosófica adotou "Lúcifer" como seu nome num esforço para trazer clareza àquilo que injustamente é considerado como anjo perdido e maligno.

O nome "Lúcifer" vem das palavras latinas, Lux ou Lucis (luz) e ferre (levar), assim Lúcifer significa literalmente "portador da luz". Está ligado com o planeta Vênus em Revelações XXII: 16 quando Cristo diz "Eu sou a brilhante estrela da manhã", que é Vênus, que anuncia a entrada em plena luz do Sol - o Filho, o Cristo. É interessante notar que o papel de "portador da luz" está relacionado com Mercúrio, ou Hermes - o mensageiro divino para os Deuses na mitologia Grega e Romana. A função de Mercúrio no cristianismo é cumprida por São Miguel, "o Anjo Guardião" de Cristo, de acordo com São Thomas. A inter-relação esotérica deste Anjo Guardião e Cristo é mais iluminada na declaração do mestre Tibetano com quem Alice Bailey colaborou para escrever uma série de livros sobre a Sabedoria Eterna, que "Mercúrio e o Sol são um".

Esotericamente, o papel do Anjo da Guarda foi possível graças ao sacrifício dos anjos solares na sua preservação do princípio da mente ou, ocultamente, fogo, através de repetidas encarnações persistentes na forma até que o homem-animal tornou-se homem pensante e, finalmente, começou a despertar a sua verdadeira herança espiritual: o homem humano/divino. Assim, o anjo solar cria a forma para a encarnação da alma com o princípio causal - o corpo causal - e também se retira desse corpo na quarta iniciação, quando a ligação entre a forma e o espírito está permanentemente unificada e o corpo causal desaparece.

A noção de "anjo rebelde" parece remontar ao poeta John Milton em Paraíso Perdido, que parecia ancorar na consciência humana a ideia da descida dos anjos solares como um ato de rebeldia e, portanto, um comportamento inconveniente. ("Reinar é ambição que vale a pena, ainda que no Inferno: melhor reinar no Inferno do que servir no Céu".) No entanto, este espírito de revolta e dor que se seguiu não foi encontrado em Vênus, conforme nos informa o Tibetano. O espírito de rebeldia aparece e decididamente paira sobre a Terra; para o Tibetano isto sugere que este espírito de rebelião qualificou a atitude do nosso próprio Logos planetário, o "Divino Rebelde". O Tibetano cita o Velho Comentário:

"Ele entrou na vida e soube que era a morte.
"Tomou uma forma e entristeceu-se porque a encontrou obscura.
"Decidiu sair do lugar secreto e procurou fora o lugar de luz e a luz revelou-lhe tudo o que não procurava.

"Desejava ardentemente permissão para voltar.
"Procurou o Trono, no alto, e Aquele que lá estava sentado; e exclamou: 'Eu não procurava isso. Aspirava ter paz, a luz, a liberdade para servir, para demonstrar o amor e para revelar o meu poder. Aqui não há luz. Não se encontra paz. Deixai-me regressar.'

Mas Aquele que estava sentado no Trono não voltou a cabeça.
Parecia não escutar, nem ouvir. Mas da esfera inferior de trevas e de dor, uma voz surgiu e exclamou: 'Aqui sofremos. Procuramos a luz. Temos necessidade da glória de um Deus que intervenha. Eleva-nos aos Céus. Entra, ó Senhor, na tumba. Ressuscita-nos para a luz e faze o sacrifício. Derruba os muros da prisão e penetra na dor.'

O Senhor da Vida voltou.
Não lhe agradou e, daí, a dor." (Psicologia Esotérica II, p. 98)

O mal da separatividade (separatismo)

No entanto, o pecado e o mal não existem na Terra. Somos informados pelo Tibetano que o único mal verdadeiro é o pecado da separatividade (separatismo). E nesse sentido conseguimos algum entendimento de como Lúcifer tornou-se identificado com o mal, pois o despertar da mente que caracteriza o avançado estágio da humanidade hoje, como todos nós sabemos, é tanto o meio de promover a nossa libertação como a nossa separação e aprisionamento. A mente, funcionante e potente, mas desprovida da alma, pode ser o grande fator de cristalização que constrói poderosas barreiras de separação. "A mente é a assassina do Real. Mate o vosso assassino", o discípulo é ordenado. Neste sentido, a mente em seu elemento concreto e analítico se torna o refúgio (e a prisão irreconhecível) do ideólogo, e é realmente capaz do pecado da separatividade (separatismo) por preconceito e ódio e a propensão para aceitar as distorções de meias-verdades.

Mais esclarecimento do papel dos anjos solares é encontrado numa reflexão do Quarto Raio de Harmonia através do conflito e o Quinto Raio do Conhecimento, e os planetas Mercúrio e Vênus, através dos quais estes raios respectivamente canalizam suas energias. Mercúrio é o "Mensageiro dos Deuses" e o quarto raio é o princípio fluido que liga o Plano e o Propósito da divindade, conhecido no nível de buddhi ou intuição, que é regido por Mercúrio, com a mente ou manas, governada por Vênus e o quinto raio. "Vênus foi o guardião do princípio da Mente e trouxe-o como um puro presente à humanidade embrionária", nos é dito em Os Raios e as Iniciações. Ou, como disse o Buda, "O amor é a libertação da mente". O Quinto Raio e o corpo mental em expressão, canalizados por Vênus, "opera em conexão com a Lei de clivagens", e "é também responsável pela rápida formação de grandes ideologias condicionadoras" (Ibid., p. 602). Nisto somos lembrados de que os anjos solares que optaram por descer à Terra submeteram-se à Lei da Dualidade de modo que a evolução do ser humano pôde ser dependente do desenvolvimento da discriminação mental e do livre arbítrio e, portanto, com a capacidade de fazer escolhas e escolher o modo mais elevado. Há sempre uma escolha entre dois caminhos, e para o ser humano esta escolha deve ser guiada pelo livre arbítrio.

A substância do plano mental é o quinto raio, canalizado através de Venus; e porque o reino dos anjos opera com a substância - com o aspecto forma – os anjos solares trouxeram a substância de mentalidade para o homem, estabelecendo a ligação do corpo causal da alma no plano mental - uma ligação preservada até a quarta iniciação, quando a forma não é mais necessária e o corpo causal desaparece. Alguma ideia da magnitude deste ato dos anjos solares é sugerida na constatação de que o Quinto Raio do Conhecimento "é a energia que admite a humanidade (e particularmente o discípulo treinado ou iniciado) aos mistérios da Mente do próprio Deus. É a chave 'substancial' para a Mente Universal." (Ibid., p. 591).

Além disso, a ligação do quinto Raio do Conhecimento e o segundo raio de Amor-Sabedoria é dito ser excessivamente estreita, porque as regras do segundo raio neste atual sistema solar e no sacrifício dos anjos solares “Portadores da Luz” em prol do homem animal, o aspecto do segundo raio de sabedoria foi despertado, pois "sabedoria é conhecimento adquirido pela experiência [a viagem do Filho Pródigo], e implementada pelo amor". Assim, a descida dos anjos solares na substância trouxe o legado da experiência para o desdobramento do Plano Divino.

Então, voltando à história do Filho Pródigo, para compreender as implicações mais profundas desta história, é importante notar que, no seu regresso à casa do Pai, o Pai, com alegria correu para abraçá-lo, deixando o filho mais velho que havia permanecido em casa sentindo ciúmes e rejeitado. Que esta viagem a um "país distante" é parte do Plano de Deus parece ser verificada pela seguinte passagem do Tibetano:

Este impulso para o sacrifício, para renunciar a isto por aquilo, para escolher um caminho ou linha de conduta e assim sacrificar outro, perder para finalmente ganhar - tal é a história subjacente da evolução. Isto necessita de compreensão psicológica. É um princípio diretor que rege a própria vida e corre como um modelo de dourada beleza através dos elementos sombrios com os quais se constrói a história humana. Quando este impulso de sacrificar para vencer, para ganhar ou salvar o que se considera desejável, for compreendido, então a chave de todo o desenvolvimento do homem será revelada. Esta tendência ou impulso é alguma coisa diferente do desejo, tal como este é considerado e estudado hoje academicamente. Sua verdadeira conotação é a emergência do que há de mais divino no homem. É um aspecto do desejo, mas do lado dinâmico e ativo e não da sensação, do lado sensual. É a característica predominante da Divindade. (Psicologia Esotérica II, p. 97)

Através da energia do quinto Raio, que é "essencialmente um portador da luz", a evolução da humanidade é acelerada, produzindo a descida do Reino de Deus à Terra como resultado da ascensão de muitos que alcançam a iniciação nesta era. O fato de A Doutrina Secreta comparar Vênus com Gaia (Terra), e o despertar da consciência de que a teoria de Gaia reconhece que a Terra é um organismo vivo e unificado, sugere que a humanidade pode agora estar começando a se despertar e colaborar um pouco com o motivo pelo qual os anjos desceram na matéria: para a redenção da substância e o despertar da mente na forma fazendo com que o Propósito da Deidade pudesse ser registrado e expressado na substância. Os anjos solares "caíram" como um ato de escolha e de supremo sacrifício em prol da humanidade. Estes "Senhores do Conhecimento e Compaixão e da incessante devoção perseverante" somos nós mesmos, e, por nossa vez, devemos conscientemente escolher assumir o controle de nossa encarnação na forma, buscando o Propósito e através disso fazer com que a vida na Terra se torne um presente de sacrifício para as vidas inferiores dependentes dos nossos cuidados.

Cristo disse: "Eu sou a brilhante estrela da manhã". Sua promessa, e o legado da presença de todos na Terra como "portadores de luz", pode ser resumido nas seguintes palavras: H. P. Blavatsky escreveu que "em todas as cosmogonias antigas a luz vem da escuridão". E Alice Bailey expressou um reconhecimento similar com as seguintes palavras: "O Mestre M... traz trevas para a luz de modo que as estrelas apareçam, pois na luz as estrelas não brilham, mas na escuridão não há luz difusa, mas somente pontos focalizados brilham." (Os Raios e as Iniciações, p. 170)

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