Envelhecendo no Caminho da Alma

"Em vez de considerarmos a idade física como um período de retiro, uma época quando a vida se fecha, tornando-se limitada, quieta e restrita, deveríamos dar-nos conta de que realmente o que está acontecendo é que as oportunidades espirituais estão se multiplicando; as perspectivas da alma estão se estendendo em crescente glória, enquanto as barreiras das pequenas tarefas diárias desaparecem, deixando-nos livres para viver como almas." (M. E. Haselhurst, The Beacon, jul/ago/1971)

"Deve-se passar a velhice meditando nos trabalhos dos filósofos, uma ocupação que trará paz e felicidade e abrirá o caminho para a eternidade." (Sêneca, Século I DC)

Introdução

Enquanto embarcamos num novo milênio, enfrentamos um fenômeno sem precedente na nossa longa história: uma crescente população de pessoas anciãs em quase todos os países do mundo. Este crescimento no extremo da escala da maioridade é, por uma parte, um tema de preocupação para os governos e comunidades, cuja responsabilidade é cuidar de seus cidadãos mais velhos, por outra parte pode ser visto como um enorme potencial humano que está grandemente desaproveitado como um importante recurso. Durante várias décadas vimos desenvolver este incremento de pessoas anciãs, especialmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e, apenas de 1946 a 1964, o nascimento da geração da explosão demográfica. As pessoas nascidas durante a explosão demográfica criaram o fenômeno "onda de idade" que quando circula faz impacto em cada segmento da sociedade: moradia, produção de alimentos, vestuário, educação, cultura e atendimento médico. Finalmente, em outra década e meia fará impacto sobre a velhice. A grande pergunta é: a força desta onda produzirá um terreno devastado, deixando a geração mais jovem se asfixiando no empobrecimento, ou esta força de anciãos proverá a fertilidade para uma nova classe de crescimento, cujos benefícios somente agora estamos começando a compreender? Se montarmos na onda com mentes abertas, dar-se-á o último caso.

A escolha envolve a mente, o pensamento profundo, a mente reflexiva, porque o potencial dos anciãos está primordialmente no reino da consciência. É por esta razão que Boa Vontade Mundial considera que este é um tema de grande interesse. A consciência, cremos, é um Dom e um produto da alma humana, e o que pensamos, dizemos e fazemos no mundo está condicionado em grande parte pela presença ou ausência da consciência e dos valores da alma. A influência da alma na vida de uma pessoa - vista primordialmente nas qualidades de luz, amor e vontade - é matéria de grau, o grau ao qual somos sensíveis ao nosso eu mais profundo.

A consciência humana tem passado por um tremendo despertar desde a Segunda Guerra Mundial, e em grande parte por causa dela. Mais do que nos damos conta, a Guerra foi um eixo central para a família humana. Se as forças aliadas da luz não tivessem saído vitoriosas, o mundo teria entrado de cabeça em outra longa era de obscurantismo materialista. Mas elas triunfaram e abriu-se uma grande porta para a vertente de um novo grupo de almas despertas e altamente criativas. Elas estão inundando o mundo com sua energia, estimulando por igual o bom e o mal na condição humana, mas como resultante, o efeito foi extremamente bom. Derramou-se muita luz em inumeráveis problemas humanos, aos que nunca antes havia sido dado tratamento. A difícil situação, e a promessa das pessoas idosas é algo que está recebendo atenção crescente. Espera-se que este comentário ajude a elevar a consciência do potencial criativo de nossos cidadãos idosos, e talvez ofereça uma visão fresca de novas possibilidades espirituais no caminho da alma.

O Papel das Nações Unidas

Conseguir uma imagem clara do número de anciãos no mundo e de suas necessidades pessoais, é uma tarefa formidável. Afortunadamente os vastos recursos das Nações Unidas têm sido capazes de compilar as estatísticas e outros dados necessários para nos possibilitar ver a imensidão do problema. A propósito, deveria ser enfatizado aqui que as Nações Unidas são em si um dos primeiros produtos das forças de amor e luz que estão vertendo no mundo do pós-guerra mundial. É a evidência viva de que o coração e a alma universal da humanidade são definitivamente fortes e vitais. Com todos os dados acumulados, tornou-se evidente que seria necessário um plano de ação internacional para fazer frente ao crescente envelhecimento da população. Adotou-se tal plano na Cúpula Mundial sobre o Envelhecimento que aconteceu em Viena, na Áustria, em 1982. A meta deste plano de ação internacional era "fortalecer a capacidade dos Governos e da sociedade civil para fazer frente com efetividade ao envelhecimento das populações, e abordar o crescente potencial e as necessidades de dependência das pessoas idosas." (Nações Unidas, International Plan of Action on Aging, 1982) O plano incluía recomendações para a investigação de ações de abordagem, recompilação e análise de dados, treinamento e educação em áreas tais como saúde e nutrição, proteção dos consumidores anciãos, alojamento e meio ambiente, família, bem-estar social, emprego e segurança de renda e educação. Depois este Plano Internacional de Ação foi adotado pela Assembleia Geral da ONU e foi designado o ano de 1999 como o Ano Internacional da Velhice.

A seção Introdução do Plano de Ação dá uma imagem resumida do alcance do crescimento da população mundial. A Introdução declara, em parte que:

"Somente nas décadas recentes é que se chamou a atenção das sociedades nacionais e da comunidade mundial para as questões sociais, econômicas, políticas e científicas provocadas pelo fenômeno do envelhecimento numa escala maciça. Anteriormente, embora os indivíduos podiam ter vivido em estado avançado de vida, a quantidade e proporção dentro da população local não era elevada. O século vinte, entretanto, foi testemunha em muitas regiões do mundo do controle da mortalidade pré-natal e infantil, de um decréscimo na taxa de natalidade, de melhorias na nutrição, na atenção primária de saúde e no controle de muitas doenças infecciosas. Esta combinação de fatores resultou num crescente número e proporção de pessoas que sobrevivem a estágios avançados na vida.

"Em 1950, de acordo com as estimativas das Nações Unidas, houve aproximadamente 200 milhões de pessoas de idade igual ou maior de 60 anos em todo o mundo. Para 1975, seu número havia aumentado para 350 milhões. As projeções das Nações Unidas para o ano de 2000 indicam que o número aumentará para 590 milhões, e para o ano de 2025 para mais de 1.100 milhões, ou seja, um incremento de 224 por cento desde 1975. Durante este mesmo período, espera-se que a população mundial, na sua totalidade, aumente de 4.100 milhões para 8.200 milhões, um incremento de 102 por cento. Desta forma, dentro de 45 anos a velhice constituirá 13,7 por cento da população mundial."

Dentro desse 13,7 por cento de velhice, a categoria de "anciãos mais velhos", de mais de 80 anos, está aumentando ainda mais rapidamente do que todos os outros grupos de idade. Um informe das Nações Unidas estima que em 1998 "houve 66 milhões de pessoas com mais de 80 anos de idade, o que corresponde a 1 pessoa para cada 100 na Terra, e espera-se que aumentem para 370 milhões em 2050. Já há 135.000 pessoas com mais de 100 anos de idade".

O informe do Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento contém muitas recomendações sobre a atenção humanitária da velhice que os organismos comunitários e governamentais deveriam considerar. As pessoas idosas são ainda um recurso vital e têm um papel definido e muito que representar, depois que alcançaram a idade de aposentadoria. O informe do Plano de Ação o declara muito eloquentemente:

"A raça humana caracteriza-se por uma infância longa e por uma longa velhice. Ao longo da história isto permitiu às pessoas idosas educar os mais jovens e transmitir-lhes valores; este papel assegurou a sobrevivência e o progresso do homem. A presença dos idosos no lar, na vizinhança e em todas as formas de vida social ainda ensina uma lição insubstituível de humanidade. As pessoas de idade nos ensinam, a todos nós, uma lição, não somente por suas vidas, mas certamente por sua morte. Através da dor os sobreviventes chegam a entender que a morte, na verdade, continua participando da comunidade humana, por meio dos resultados de seus esforços, os trabalhos e instituições que deixam para trás, e a memória de suas palavras e de suas ações. Isto pode nos alentar a considerar nossa própria morte com maior serenidade e a crescer mais completamente conscientes das responsabilidades para com as futuras gerações.

Uma vida mais longa fornece aos humanos uma oportunidade de examinar suas vidas em retrospectiva, de corrigir alguns erros, de aproximar-se da verdade e de alcançar um diferente entendimento do sentido e valor de suas ações. Isto pode ser a mais importante contribuição das pessoas idosas à comunidade humana. Especialmente nestes tempos, depois das mudanças sem precedentes que afetaram a humanidade no seu período de vida, a reinterpretação das histórias de vida pelos idosos deveria nos ajudar, a todos, a alcançar a reorientação da história urgentemente necessitada."

A consciência humana possui agora a habilidade intelectual e técnica para abordar os problemas das pessoas idosas numa escala global. Uma expressão desta consciência global se vê no Plano de Ação sobre o Envelhecimento, estabelecido em Viena pelas Nações Unidas. Isto marca uma significante etapa no crescimento e expansão da consciência humana. Em muitos países do mundo, particularmente nas regiões desenvolvidas, criaram-se programas sociais, financeiros e de saúde específicos, para abordar as necessidades de seus cidadãos. Estes programas cresceram devido ao reconhecimento consciente de que uma sociedade tem responsabilidades no cuidado de todos seus cidadãos, desde a infância até a velhice. Nenhum grupo de idade pode, em sã consciência, ser descartado como se não tivesse importância. Os cidadãos responsáveis - aqueles que têm a habilidade consciente de responder à necessidade - dão isto por assentado. Mas tal consciência de inclusividade nem sempre foi o caso. A história da responsabilidade humana para com as pessoas idosas foi, até tempos bem recentes, bastante deprimente.

Perspectiva Histórica

Nas sociedades antigas, particularmente nas regiões rurais e agrárias, a velhice não era considerada como uma categoria separada; os anciãos só eram idosos. O critério era útil. Uma vez que as crianças alcançavam a idade suficiente eram colocados para trabalhar no lar ou no campo. Quando chegavam à velhice e eram fisicamente incapazes de trabalhar, paravam. Nunca houve nenhum conceito de aposentadoria. Usualmente respeitavam-se os adultos idosos enquanto eram úteis. Mas, se tornassem incapacitados pela senilidade ou a enfermidade física, eram vistos como um estorvo, especialmente pelas gerações mais jovens. Se a pessoa idosa tinha alguma riqueza e possuía propriedades - geralmente o homem mais velho na família - podia passar seus anos restantes em relativa comodidade em sua granja ou fazenda. Mas se a pessoa idosa não tinha família que estivesse disposta a cuidar dela, seria desalojada de casa e deixada sozinha a mendigar na rua.

O destino dos velhos não era muito melhor nalgumas sociedades primitivas. Se tornassem enfermos e inúteis para a tribo, eram executados ou eram aconselhados a cometer suicídio. Mas nestas mesmas sociedades primitivas, a utilidade nem sempre significava somente habilidade física. Nas denominadas sociedades de tradição oral, muitos anciãos eram respeitados como fonte de conhecimento e sabedoria; eram a memória da tribo e representavam a continuidade entre as gerações. Também eram convocados com frequência para atuar como juízes nas disputas.

Este respeito pelos anciãos de uma tribo, clã ou vila, era observado também no primitivo mundo hebraico. Cada cidade ou clã tinha seu conselho de anciãos que eram considerados como os líderes do povo e eram todo-poderosos. No Livro dos Números o Senhor instruiu Moisés assim:

"Reúna diante de mim setenta homens dos mais velhos de Israel, aqueles que tu sabes que são chefes e secretários do povo; e convoca-os ao tabernáculo da congregação em reunião contigo. Eu estarei ali contigo e tomarei do espírito que está sobre ti e o porei sobre eles; e eles levarão o peso do povo contigo, para que tu não tenhas que levá-la sozinho" (Números II, 16,17).

Aqui foi conferido o espírito divino a um grupo de anciãos que passaram a possuir considerável respeito, poder religioso e judicial.

Entretanto, este respeito não era acolhido universalmente. Enquanto as cidades e sociedades se tornavam mais desenvolvidas e organizadas, a pergunta de quem controlaria a riqueza - os impostos - frequentemente chegava a ser tema de divisão entre os mais velhos e os mais jovens e homens ambiciosos da cidade. No Livro dos Reis, escrito no século sétimo AC está o relato do conflito entre o Rei Reboão - filho de Salomão - e o conselho de anciãos. Os anciãos queriam uma redução dos impostos. Reboão não estava de acordo e consultou os homens mais jovens que haviam crescido com ele. Eles o aconselharam incrementar os impostos e o Rei seguiu o seu conselho (I Reis 12, 6,8).

Desta época em diante, enquanto as monarquias jovens se tornavam mais poderosas, o respeito pela sabedoria dos mais velhos começou a declinar.

A Velhice no Mundo Greco-romano

Embora o mundo judeu do período do Antigo Testamento concedeu privilégios à velhice, tal atitude não prevaleceu nos dias de juventude da Grécia primitiva. Tal como observou o historiador Georges Minois, "para um povo em busca da perfeição humana, a beleza e a conquista do complexo potencial humano, a velhice podia classificar-se entre as maldições divinas". (History of Old Age. From Antiquity to the Renaissance, pág. 43). A orientação da consciência na jovem sociedade grega estava decididamente orientada para a exploração da Verdade e da Beleza tal como se expressa no vigor da juventude. Os achaques, a senilidade, a decrepitude que frequentemente afetavam os corpos dos anciãos eram um anátema na persecução da beleza. A beleza se expressava no gracioso desenho dos templos. Os escultores trabalhavam para descobrir as dimensões perfeitas da forma humana somente na forma de um adulto jovem. Tal como Alexandre o Grande, seus heróis eram jovens e louvados por sua fortaleza física. Os guerreiros velhos eram procurados por sua sabedoria. Mas eles eram honrados mais por seu passado de experiência e conhecimento do que por sua idade.

Por outra parte, eminentes filósofos gregos escreveram copiosamente sobre os anciãos e avaliaram a sua importância. Epicuro, que morreu com a idade de 72, escreveu: "Que ninguém seja lento ao buscar a sabedoria quando é jovem, nem se fadigue na busca quando já envelheceu. Porque nenhuma idade é demasiado prematura ou demasiado tardia para a saúde da alma. E dizer que o tempo para estudar filosofia ainda não chegou, ou que já passou e se foi, é como dizer que o tempo para a felicidade ainda não chegou ou que já não existe mais. Portanto jovens e anciãos devem buscar a sabedoria" (Diogenes Laertius, Lives, X, 122)

Platão (em A República) escreveu sobre uma conversação entre Sócrates e Cefalus, um rico comerciante do Pireo. Sócrates disse: "Gosto de conversar com os anciãos porque eles foram antes de nós, de fato, o caminho que nós também teremos de trilhar, e me parece que deveríamos descobrir com eles como é, e se é acidentado e difícil, ou amplo e fácil".

Platão, que viveu 81 anos, também escreveu sobre o ancião ideal. Na sua Utopia ele sonhou com uma república ideal governada por um grupo de anciãos: "...governar é função para os mais velhos, e para os mais jovens submeter... Os anciões devem estabelecer um exemplo para os jovens: se alguém maltrata seus pais, será julgado por um tribunal formado por 101 cidadãos dos mais velhos; as cortes legais serão supervisionadas por pessoas... de entre 50 e 70 anos; em todos os casos difíceis, serão consultados os mais velhos guardiões das leis". (Platão, As Leis, pág. 59)

Se Platão imaginou uma sociedade ideal governada pela sabedoria dos anciãos, Aristóteles, em contraposição, tomou uma visão oposta. Na Retórica, apresenta uma imagem muito repulsiva dos anciãos. "Os anciãos viveram muito, frequentemente foram frustrados, cometeram muitos erros de sua parte; a maior parte das vezes veem um mau desfecho nos assuntos dos homens. E então não são positivos em nada... São covardes, apreensivos em tudo, em temperamento são justamente o oposto da juventude; porque se tornam frios, enquanto a juventude é quente, de modo que a idade avançada preparou o caminho para a covardia, já que o temor é ele próprio um esfriamento". (Idem pág. 60-61)

As atitudes sobre a velhice variaram muito na Grécia primitiva.

Embora Platão escreveu sobre a utilização ideal para certos cidadãos respeitáveis, a cidade/estado Esparta certamente levou isto à prática. Estabeleceu um conselho de governo de 30 homens todos maiores de 60 anos. Eram eleitos pelo resto da vida; governavam tudo relativo à política e atuavam como juízes em causas criminais. Por outra parte, os atenienses não tinham seus anciãos em alta estima, outorgando-lhes somente poderes honorários. O vigor da juventude tinha uma imagem mais potente na consciência da época. Por certo, estas atitudes se refletiam nos escritos filosóficos, nas obras gregas, nos estudos médicos e na política. As necessidades das pessoas mais velhas não eram levadas muito a sério porque seu número era reduzido; eles, na sua maioria, não constituíam um problema social.

Parece que a velhice não era uma etapa da vida que muitos cidadãos gregos esperassem ansiosamente, particularmente se significasse sofrer as penas da enfermidade e senilidade. Em consequência, mais do que enfrentar esta (para eles) humilhante condição, muitos optavam pelo suicídio como uma saída antecipada. Era uma solução aceitável, e como sabemos, foi uma opção adotada por Sócrates.

Estas atitudes prevaleceram através do período do Império Romano, e ainda se agravaram depois que os invasores visigodos do norte tomaram o poder. Na realidade, a partir deste período, passando pelas Idades Obscuras da Europa, o valor dos anciãos e dos senis foi escasso. A lei era imposta pela espada; o castigo pelo assassínio era uma multa ou um imposto, e a quantia dependia da idade da vítima; pelos anciãos o imposto era menor do que por um homem jovem, e pelas mulheres passadas da idade de ter filhos, a multa era praticamente nula.

A única graça salvadora durante este período obscuro foi a influência da consciência da Igreja Cristã. Os ensinamentos cristãos enfatizavam o amor e a compaixão pelo próximo, sem consideração da sua condição de vida. A partir do século terceiro DC, os monastérios e hospícios da Igreja começaram a aceitar os menos afortunados. Isto marcou um verdadeiro ponto de inflexão na consciência humana, o que aumentou sua força quando os valores cristãos adquiriram um papel dominante no pensamento europeu. Enquanto as ações compassivas das Igrejas eram paternais e nobres, e salvavam muitos de uma agonia de morte nas ruas, a visão da igreja sobre a velhice começou a ter uma conotação bem mais obscura. As enfermidades, as doenças e decrepitude que comumente afligiam os anciãos eram vistas agora como uma espécie de castigo divino, uma maldição imposta sobre um homem por causa de seus pecados. E tal maldição não era um bom augúrio para ninguém que esperasse encontrar paz em outra vida. A salvação, nesta vida e na próxima, tornou-se um tema de preocupação real. Assim, enquanto os ensinamentos da Igreja introduziam o temor da maldição na sociedade, também forneciam um caminho para a salvação. Assim começou a prática das indulgências. E os abastados, particularmente os anciãos ricos, tiveram vantagem completa neste seguro de sobrevivência.

Ao redor do século quatorze a ideia do retiro em um lugar separado começou pegar. "Em 1351, na França, o rei João o Bom - que havia criado a Ordem dos Cavaleiros da Estrela - fundou uma casa de retiro para os cavaleiros anciãos onde tinham de ser tratados com respeito e servidos cada um por dois serviçais. Este foi o primeiro "Hotel de Inválidos" para ex-militares anciãos". (History of Old Age, pág. 246)

A partir deste momento, a idéia do retiro começou a prosperar através da classe média. Os comerciantes, os artesãos e certos grupos de trabalhadores davam uma porção de seus ganhos às casas de descanso e hospitais como uma forma de assegurar-se que teriam um lugar para onde ir na sua velhice. Em absoluto, foi uma evidência de uma consciência social em expansão que tais instituições para o retiro foram estabelecidas. Isto ocorreu nos começos do Renascimento na Europa e estavam se expressando novas energias criativas na arte, na música, na arquitetura e na literatura. Muitos dos grandes artistas tais como Leonardo da Vinci, Ticiano e Miguelângelo, realizaram seu trabalho mais criativo em seus últimos anos de vida. Assim foi aparecendo um novo respeito pelas habilidades criativas dos anciãos. Mas ironicamente, as pessoas de idade, que estavam enfermas e decrépitas, ainda eram retratadas negativamente na arte e na literatura. Foi a época do renascimento grego na Europa que trouxe um regresso a uma nova busca da verdade, da beleza e o culto da juventude na forma e no pensamento.

Parece que sempre houve uma busca da eterna juventude. Foi um tema recorrente, numa ou noutra época, através dos séculos. É como se a alma imortal dentro de nós insistisse em nos impressionar para criar uma forma mais perfeita, uma que aparentemente fosse impermeável aos estragos da senilidade. Os estudos do processo do envelhecimento remontam-se à Grécia primitiva com Hipócrates (460-377) AC), a quem se considera como o pai da medicina moderna. Sua teoria era que o processo de envelhecimento envolvia a perda do calor e da umidade. Então, o corpo envelhece e seca. A fonte deste calor está no lado esquerdo do coração, e daí se espalha por todo o corpo. Aristóteles (384-322 AC) desenvolveu ainda mais esta teoria. "Tudo que vive - escreveu - possui uma alma, localizada no coração, a qual não pode sobreviver sem calor. A alma e o calor natural estão estreitamente vinculados no nascimento, e a vida consiste em manter este calor e sua relação com a alma. É como um fogo que deve ser mantido e alimentado com combustível, mas que está destinado a extinguir-se depois de um longo período de debilitamento. Todos os organismos têm uma certa quantidade de calor latente inato, o que progressivamente se dissipa e termina extinguindo-se, dando lugar à morte natural". (Idem, pág. 71)

Durante a Idade Obscura parecia haver pouca curiosidade sobre o processo de envelhecimento. Como se mencionou anteriormente, este período estava influenciado por atitudes fomentadas pela Igreja Cristã que tendia para ver os corpos velhos e enfermos como malditos. Mas na Idade Média, Roger Bacon (1210-1292) reviveu novamente os estudos sobre o envelhecimento. Ele enfocou o envelhecimento mais cientificamente. Entre seus escritos estava a Cura da Velhice, a Preservação da Juventude e Sobre o Retardamento da Velhice. Foi talvez o primeiro a enfatizar o melhoramento do próprio estilo de vida como uma forma de estender gradativamente a própria longevidade e limitar o sofrimento experimentado na velhice. Trezentos anos mais tarde, no século dezesseis, Paracelso, um médico suíço, lançou a noção de que a vida era um "espírito" derivado do ar dotado com "poder e virtude". Comparou o envelhecimento com a oxidação dos metais, levando à decomposição. Também ele viu o envelhecimento como afetado pela própria qualidade de vida; que este processo podia ser retardado ao seguir uma dieta balanceada e vivendo num clima agradável.

As atitudes relativas à importância das pessoas de idade não mudaram muito através dos Séculos XVII, XVIII e XIX. A esperança de vida média ainda era relativamente baixa. Nos meados do Século XVIII na América era de apenas 35; um século depois havia aumentado para 40. Os velhos constituíam ainda uma pequena minoria da população total e usualmente eram cuidados pelos familiares. O escritor Den Dychtwald disse: "Os americanos primitivos não faziam muito caso da velhice. A gente de meia idade não se preocupava com seus pais anciãos, porque a maioria de seus pais já havia morrido". (Age Wave. The Challenges and Opportunities of an Aging America)

O número de americanos velhos na população chegou a ser significativo recentemente, depois de 1900. Durante o Século XX houve um tremendo crescimento da longevidade. Com os avanços da medicina, a melhora na atenção médica preventiva e, sobretudo, um melhor conhecimento da importância da nutrição e do exercício, o tempo de vida médio aumentou rapidamente. Em 1900 era de 47 anos. Hoje, nas regiões desenvolvidas do mundo é de 70,6 para os homens e 70,8 para as mulheres. (Fundo para a População das Nações Unidas 1998)

Com este aumento da longevidade, as atitudes para com a importância do ancião estão mudando positivamente. As pessoas de idade agora estão mais organizadas e se converteram num poder político que nenhum político ou governo pode ignorar.

O Prazer da Sabedoria

Fizemos uma rápida visada nas dimensões da categoria de idades da população mundial e a evidência indica que está crescendo mais rapidamente no extremo da escala da maioridade do que na da menoridade. É um fenômeno sem precedentes em toda história humana. Por causa do crescente número de pessoas de idade em quase todos os países do mundo, os governos, tanto locais como nacionais, estão dando conta de que devem instituir programas e planos de ação para abordar as necessidades de seus cidadãos velhos. Reconhecem que têm a responsabilidade de atendê-los pois os mais velhos não possuem os meios adequados para cuidar de si mesmos. Este reconhecimento de responsabilidade marca certamente uma etapa significativa no desenvolvimento da consciência humana. A responsabilidade (literalmente, a habilidade de responder) é uma reflexão da alma e é evidência de seu amor em ação no mundo. Como vimos na seção anterior, tal responsabilidade e respeito pelas pessoas de idade não estiveram sempre, no passado, em primeiro lugar no pensamento humano. Hoje deveríamos nos ver encorajados pelo fato que, em sua maior parte, nossa consciência não está mais tão condicionada pela mentalidade degradada das Idades Obscuras.

Agora reconhecemos que, embora os corpos anciãos sobrecarregam, as pessoas de idade têm muito que dar à sociedade, depois de alcançar a "idade de retiro". De fato, para um número cada vez maior deles, o retiro não é sequer uma opção que considerariam. Cessariam um período de "renda do trabalho", mas continuariam trabalhando como voluntários ou consultores. Foi sugerido (por parte de um colaborador deste comentário, T.S.C.) que adotássemos uma nova terminologia para os chamados anos de retiro. Termos tais como "aposentado" poderiam ser substituídos por "em trabalho sem renda" ou também "sem renda de trabalho". Isto deixa o termo "trabalho" livre para a consideração do trabalho sem pagamento, como o trabalho no ensino ou outra tarefa conectada com os interesses do coração ou da mente. Talvez poderíamos construir uma época em que o fim do trabalho com renda chegue a ser visto como abrir-se o caminho para um período de autodefinição, frequentemente minimizado na juventude pela persecução da busca dos meios de subsistência. O fim do trabalho com renda seria visto assim como o meio de acesso à luz.

Recebendo ou não uma remuneração, muitas pessoas se veem como indivíduos vigorosos. Deixar de trabalhar completamente é enfadonho. Suas consciências buscam mais crescimento. Para elas, uma mente que se fecha aos 65 ou 70 anos é um convite à morte prematura.

Isto leva a outra característica no processo de envelhecimento. É inevitável que o corpo físico se deteriore durante os ciclos naturais de nascimento, maturação, decadência lenta e morte. Poderíamos buscar "reverter" ou amenizar a marcha do processo de envelhecimento, mas finalmente, como sabemos, é uma batalha destinada a ser perdida. Não se espera que nosso corpo físico dure para sempre, nem deveríamos querer que fosse assim. Agora muitos veem o corpo físico simplesmente como um "veículo" que usamos durante certo tempo. Portanto deveríamos tratar de mantê-lo tão saudável quanto possível, mas não tratá-lo, realmente, como o único objeto de valor, pois dentro deste veículo está ancorado um ponto de consciência, uma identidade, que não parece ser afetada pelo processo de envelhecimento. Na realidade, é completamente eterna na sua própria natureza. Crê-se que é a presença deste eu eterno, digamos, que dá lugar à sensação que muitas pessoas de idade têm de ser mais jovens do que parece a sua idade real. "Poderei ter 65 anos, mas me sinto mais como se tivesse 45" é um sentimento comum. Poder-se-ia dizer que só estão atravessando uma etapa de negação, não querendo admitir que estão se tornando velhos; mas, o mais certo é que, por causa de um despertar geral na consciência humana, eles estão desenvolvendo uma sensibilidade para com este eterno ponto do ser interno que condiciona a forma na qual se identificam a si mesmos na vida. O reconhecimento de um eu dual - um eterno e o outro envelhecendo - talvez esteja motivando (embora inconscientemente) algumas pessoas de idade a olhar para mais além de sua idade física. Suas identidades estão mudando para buscar esse potencial que jaz sereno e tranqüilo no seu interior. Estão buscando refúgio dentro dessa parte subjetiva e interna de seu ser, que não está afetada pelo processo de envelhecimento. Estão descobrindo que podem continuar crescendo em conhecimento e sabedoria, enquanto os sistemas de seus corpos físicos estão diminuindo sua marcha.

É um processo de crescimento que o escritor Zalman Schachter Shalomi chama de "envelhecimento sábio". As pessoas não se tornam sábias automaticamente, disse, simplesmente por chegar a uma idade avançada. Tornam-se sábias por empreender o trabalho interno que conduz, por etapas, à expansão de consciência. (From Age into Sage)

É um caminho que ele descreve como "envelhecimento espiritual", "uma busca interna de Deus, um florescimento autodirigido do espírito que une todas as pessoas nessa busca comum, sem importar qual sua filiação religiosa". (Idem)

O envelhecimento sábio é um caminho de descobrimento que mais e mais anciãos estão explorando. Como exemplo, incluem-se aqui alguns extratos de comentários escritos por um pequeno grupo de pessoas de idade que passaram uma boa parte de suas vidas buscando e desenvolvendo seus potenciais espirituais internos. Suas etapas de envelhecimento sábio não começaram, necessariamente, em seus anos de retiro: na realidade, para alguns, foi um busca de toda a vida. Mas seus últimos anos têm sido um tempo de afirmação do valor do estudo espiritual profundo e da meditação sobre o que se chama "a sabedoria eterna". A verdadeira sabedoria não tem idade, e aqueles que a buscam expressam a alegria de sua vivência.

Sabedoria viva

Deves aprender quando não souberes, e isto será enquanto viveres. (Sêneca)

M.B. (89 anos).
Chega um momento na vida de muitos de nós (talvez da maioria) quando "a tarefa comum, o ciclo diário" já não "nos dá o sustento necessário".

Quando chegou para mim esse momento, eu tinha quase 40 anos, a idade que se supõe ser um evento tão dramático na vida de uma mulher. Nessa época fui o suficientemente afortunada para ser posta quase imediatamente em contato com o que cheguei a conhecer, reconhecer e entender como ensinamentos da sabedoria eterna.

Meus próprios estudos, investigação e meus períodos de meditação revolucionaram meu estilo de vida, meu estado de consciência e minhas atividades diárias. Fui levada a um entendimento em constante expansão do que constitui minha responsabilidade humana de amar e de servir aos propósitos de nosso Deus planetário para Sua Criação.

Recordo bem o dia que pela primeira vez experimentei por mim mesma a realidade da unidade do mundo. Não foi simplesmente a unidade da "humanidade una", mas a unidade de toda a vida em todos os reinos. Esta experiência trouxe consigo um indescritível sentimento de júbilo, retidão e adequação do "Plano de Deus para a humanidade", que nunca me abandonou. Tornei-me mais completamente consciente da responsabilidade que o reino humano deve aceitar, não só pelo progresso evolucionário da humanidade, mas por todos os reinos que chamamos "inferiores": os reinos animal, vegetal e mineral. Na realidade não existe tal matéria "inanimada". Tudo que está em manifestação encontra-se num estágio de desenvolvimento evolucionário e o reino humano está numa situação chave para servir a todos, porque, pela primeira vez na história, desenvolvemos um estado de consciência planetário que pode amar e servir desinteressadamente, que pode contatar a luz, o Amor e o Poder que representam a Mente, o Coração e a Vontade de Deus, e que pode trazer as energias à manifestação.

Todas estas coisas revolucionaram meu modo de vida, minhas relações com os outros e meu estado de consciência. Os inevitáveis sacrifícios que implicaram as primeiras etapas caíram, faz muito, sob o nível de consciência, para serem substituídos por uma serenidade e uma paz na mente e no coração que nenhum desastre terreno pode perturbar. Sei que as atuais crises e cataclismos mundiais são o prelúdio inevitável da emergência de um novo e mais inclusivo estado de mente e coração para o mundo de amanhã.
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R.H., 91 anos.
Desde os meus primeiros anos, estive inclinado espiritualmente e busquei uma crença que pudesse aceitar.

Na minha memória, sigo os fios que teci enquanto caminhava no caminho desta encarnação. Refletindo sobre o que pude ter conseguido, dou-me conta de que foi mais um processo de aprendizagem do que de realização.

Para ajudar-me a chegar a ser o que desejo ser, começo cada dia em meditação e me dedico novamente ao serviço Daquele que Vem. Uso o meu corpo físico inteligentemente, de acordo com sua força; sinto minhas emoções ou sentimentos como devem ser sentidos e não como me sinto. Às vezes isto é difícil de fazer, mas as recompensas são muitas. A mente é o maior bem que temos para desenvolver, é um potente poder que pode ser usado destrutivamente ou que pode ser reorientado e usado construtivamente. Por meio do correto pensamento somos capazes de controlar as emoções, então pensemos antes de falar. Deveríamos escolher cuidadosamente as palavras que saem da nossa boca, porque somos considerados responsáveis por elas. Isto requer grande esforço e perseverança e, para mim, o uso correto da mente é a Vontade de Deus em ação. Estas são as metas que me impulsionam. A velhice é um bom momento para aprender autodisciplina.
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J.B., 80 anos.
Anos atrás, meus primeiros passos na meditação tomaram a forma de um exercício de concentração. Esforcei-me para concentrar-me sobre um tema ou conceito por um certo período de tempo sem que a mente perambulasse em todas as direções. A pergunta que uma vez ou outra passava por minha mente era: Como a mente sabe que está perambulando? Pode ela observar-se a si mesma? Seguramente isto só pode ser feito de um nível mais elevado. Lentamente percebi bem que devia haver algo mais que era o Observador e Controlador potencial, algo que estava além da natureza física, emocional e mental. Ocorreu-me a bem conhecida analogia: a do cocheiro manejando (ou sendo manejado?) por três vigorosos cavalos, simbolizando a alma interior e os três aspectos da natureza inferior. O grau de controle sobre estes três cavalos (o tríplice eu inferior) era inteiramente dependente do treinamento, experiência e habilidade do cocheiro (a alma).
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P.B. (72 anos)
A própria regeneração (ato ou efeito de regenerar-se; dar nova vida, tornar a gerar) está em FAZER, e não simplesmente sentar-se esperando por Deus, ou esperando que as pessoas nos procurem.

Uma tarefa primária durante o retiro é a síntese. Há sinais de que isto está sendo conseguido, e num sentido profundo - um sentido da alma - pode ser já uma realidade. Na verdade o é. Entretanto, a síntese necessária está claramente à vista. Há, agora, uma calma predominante, um sentimento de totalidade, um sentimento de propósito espiritual, e um sentimento e conhecimento daquelas técnicas que são necessárias para preservar o equilíbrio no ponto de Luz quando forças conflitantes e não redimidas buscam sua expressão. Este conhecimento e consciência, na realidade, estiveram presentes por um longo tempo, mas levá-los à realidade, fixá-los, e fazer o que a intuição espiritual insiste que deve ser feito, é trabalho de toda uma vida.

O que se requer de nós é que procuremos irradiar Luz por meio do reconhecimento do que e de quem somos; como também sermos canais do Amor e da inteligência criativa. Não há necessidade de especular sobre que significa a palavra Deus quando a luz já está brilhando. Tampouco é necessário se preocupar sobre a continuidade da consciência depois da morte quando já está "morto", do ponto de vista espiritual, e quando existe verdadeira fé na Luz e uma prática regular da meditação no Caminho que ela conduz. Deve-se estar totalmente aberto à Luz, sem nenhuma amarra. Recordem estas proposições: O egoísmo é morte. O altruísmo é imortal.

Mas assim como a morte física termina com o corpo físico, e com qualquer sentimento de identificação com ele, o brindar-se a si mesmo espiritualmente implica abandonar tudo que se pensava que era. Na meditação budista, reconhece-se agora que não se é o corpo, nem as emoções, nem os pensamentos e que não se é nem sequer o "eu", que também é abandonado. É o reconhecimento desinteressado que constitui as bases do verdadeiro serviço ao mundo.
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J.B. (80 anos)
A chegada da velhice pode ser saudada com confiança, ainda com júbilo, se se reconhece que é uma oportunidade brindada pela alma para preparar-se para a próxima encarnação. Enquanto os fogos da emoção se extinguem e os eventos e preocupações de uma vida ativa cessam, a personalidade tem uma oportunidade de olhar para trás com objetividade e desapaixonamento, para avaliar a utilidade da presente expressão de vida.

Quando eu tinha cerca de seis anos, tive uma experiência que firmou minha atitude para com a morte. Uma tarde, enquanto eu estava na cama, olhando de forma vazia as cortinas fechadas e através das quais a luz do dia perfilava as silhuetas de inumeráveis roseiras, irrompeu na minha mente o pensamento que não existia a morte. Ocorreu-me que a morte não era um fim, mas que todo mundo desperdiçava sua energia até o fim. Tomei a decisão, naquele momento e naquele lugar, que não ia desperdiçar minha energia daquela maneira. Devo dizer que até aquele momento não havia tido em nossa família ou em nosso ambiente nenhum indício de morte ou de desastre. Em anos posteriores, esta revelação sobre a morte se desenvolveu numa crença e aceitação da reencarnação. Quando circunstâncias adversas me golpearam, nunca perguntei: por quê a mim? Eu sabia porque!
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R.D. (76 anos)
O contato com a alma... esteve presente ainda na minha adolescência, quando tive uma breve visão do que seria minha vida. Naquele momento eu sabia que viajaria muito, como realmente o fiz.

Olhando para trás, sobre aquele intervalo de tempo... certamente que estive nesse "contínuo subjacente que se desenvolve lentamente ao longo da própria vida". Houve reunião alegre com aqueles que foram amigos e companheiros ao longo das idades - eles foram reconhecidos - e uma renovada relação com aqueles que, nem completamente amigos nem completamente inimigos, formavam um vínculo com o próprio passado.

O estudo espiritual, a meditação e o serviço... deram origem à disciplina e ao posterior treinamento tão duramente feito. A necessidade de se organizar a si mesmo, de descer da torre de marfim... a necessidade de sair de dentro de si mesmo e encontrar gente, para vê-las como realmente são, foram algumas das lições aprendidas.

Nestes últimos anos a má saúde tem complicado a vida diária, mas aprende-se a viver segundo a afirmação "continuar, continuar". Simplesmente não há nada mais que fazer.
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J.G. (88 anos)
Ao olhar para trás em minha vida, me dou conta do quanto foi ganho através das muitas oportunidades apresentadas desde a juventude, aceitas como desafios a cumprir e entender. Como celta, fui afortunado ter nascido com uma mente inquiridora e sem noção de medo...

Sempre estive rodeado de amor, um enfoque amoroso que instintivamente me ensinou a ser impessoal, com uma impessoalidade que é liberadora, conseguindo relações gratificantes a todo nível.

Espero ansioso a próxima fase de regresso à fonte, de maior utilidade para o novo grupo de servidores do mundo e vivo no poder de boa vontade. A vida está cheia de interesses e estou profundamente agradecido pelas contínuas oportunidades de servir dentro do grupo como um todo.
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S.G. (80 anos)
Parece que a adesão a uma estrutura disciplinada para cada dia e cada semana, mais um propósito e sentido de responsabilidade fazem uma boa receita para um envelhecimento produtivo.

Fui bendita em muitos aspectos. Os primeiros são: meu afetuoso e compreensivo marido, agora com 90 anos e ainda realizando trabalho voluntário na comunidade, e um corpo e mente cooperativos, estes últimos sustentados por ioga e meditação diários. Eles me permitem "cumprir minha parte no Trabalho uno" ao ser, tanto como posso, um veículo confiável, um agente transmissor dentro dessa esfera vastamente interconectada que chamamos Vida.

Meu desejo fervente e súplica é que me seja dado o privilégio de continuar assim para viver e trabalhar até que chegue o dia de transição para outro reino de atividade.
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R.C. (88 anos)
Embora cada um de nós nesta categoria (de anciãos) evolui em circunstâncias diferentes dos demais, todos encaixamos num modelo de crescimento em diferentes etapas de desenvolvimento, mas todos nos movendo na mesma direção. Nessas recentes etapas (de estudo espiritual) chegou a ser aparente para mim que a reencarnação era uma realidade da existência e não uma teoria.

Hoje vejo que as impressões que adquiri através desta vida se cristalizaram num modelo de existência logicamente organizado. Através de constante e ininterrupta meditação meu pensamento é mais claro e alcanço as soluções para os problemas mais rapidamente. Minha atitude para com as pessoas é mais amorosa e compreensiva e isto reflete em suas atitudes comigo. Também vejo que sou mais capaz de ser resignado pelo cuidado intensivo com minha esposa, que se encontra em estado avançado do mal de Alzheimer e ao mesmo tempo ter relações amistosas com nossos vizinhos. Encontrei felicidade crescente em todas as minhas relações. Sou otimista sobre o futuro e rara vez sofro depressão. Creio que todas estas tendências estiveram comigo e que agora foram consideravelmente aumentadas.

Outra doutrina que evoluiu de meus... estudos é a da necessidade de um crescimento completamente independente. Os símbolos e a leitura podem mostrar a direção, mas isso é tudo, e nunca há castigo por se fazer o correto. Isso não afeta, mas aumenta minha contribuição para com a vida espiritual.
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L.H. (89 anos)
Chegou a ser completamente claro que esta vida seria de introspecção. Aqueles anos (durante da Grande Depressão) nos ensinaram paciência e persistência; nossos pais foram corajosos e apesar de um rígido programa de trabalho, a alma interior embarcou em sua persecução do grande mistério...

Com o retiro... chegou a dádiva constante, o ócio. Que alegria foi ter tempo para ler muito, para refletir, para estudar as notícias mundiais em profundidade, para expandir meus horizontes, para manter-me em contato com uma família amplamente dispersa... Nestes últimos anos ganhei um sentido de comunidade, de propósito, de uma meta comum com os estudantes da sabedoria eterna de todas as partes. Foi uma deliciosa viagem, cheia de encantos, de amor, humor e esperança.
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M.A. (84 anos)
Sempre senti que por alguma razão eu deveria ser capaz de pensar meus próprios pensamentos, mas nunca percebi que "esse outro algo" (que depois cheguei a ver como a alma), ainda que de alguma forma completamente inarticulada, me mantivesse andando...
Faz agora mais de quinze anos sou viúva, e no presente me encontro na maravilhosa etapa da inteira liberdade de pensar e de atuar como quero, dentro das simples, mas adequadas circunstâncias externas nas quais me é permitido viver.

Vejo todo o anterior (as precedentes experiências de vida) como etapas nas quais a alma estava sustentando este mecanismo individualizado e trabalhando dentro de seus processos, de modo que conseguir livrar-se deles poderia usá-los para a transmissão de luz. Vejo minha linha particular de serviço como a de um intérprete espiritual... Wordsworth escreveu em alguma parte "Agora que estou livre, liberado e solto/ Posso acomodar a minha morada onde quiser". Com isto parece vir um profundo reconhecimento do "espaço".

Assim, em parte por todo o anterior, e em parte pelo fato evidente do processo de envelhecimento, agora a evolução da vida subjetiva dentro da forma chega a ser uma realidade completamente abarcável, não só na consciência, mas também em compreensão. Como em toda experiência, só aqueles que também atravessam suas particularidades, realmente podem encontrar realizações compartilhadas. Talvez este seja um dos componentes das relações de grupo, seja dentro de uma escola esotérica, qualquer grupamento externo escolhido, e mais ainda incluindo os próprios contemporâneos em velhice. É muito mais fácil rir da diminuição da energia física e do esquecimento daquilo que está dizendo, com outras pessoas que se encontram exatamente na mesma situação.

Em meu caso, começo a sentir que a forma está se tornando menos adequada para o trabalho a fazer, e que agora estou como se fosse na reta final. Não tenho inquietude em absoluto sobre a transição, e no momento em que vier creio que será bem-vinda por mim como um acontecimento aceito com beneplácito.

Entretanto, creio que esta presente etapa é também uma preciosa experiência e que deve ser valorizada. Traz consigo um sentido diferente do "tempo", de "tendo-se feito tudo, parar", como apontou São Paulo... Torna-se mais fácil distanciar-se e vislumbrar algo mais "da magnificência do desenho", como um mestre tibetano descreve... é compartilhar algo da visão "daquele olho interior que é a tal da solidão". "Na solidão floresce a rosa da alma", como o Mestre expressou tão memoravelmente.

Minha citação favorita está no final do poema de Longfellow, "Morituri Salutamus":

Porque a velhice não é oportunidade menor
Que a própria juventude, apesar de vestida de outra forma
E enquanto a luz do crepúsculo se apaga
O céu se enche de estrelas, invisíveis durante o dia.

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S.M. (72 anos)
Em seu poema, "A Chegada da Sabedoria Com o Tempo", W.B. Yeats escreveu: "Agora posso diminuir a veemência e caminhar para a verdade". No sentido de que no último período da vida há um abandono progressivo dos pensamentos e sentimentos e, portanto, das coisas que formam uma bagagem de importância antiquada, é verdade que ocorre uma contração ou um murchamento para a simplicidade. Na realidade suponho que é um subproduto do empenho cada vez mais consciente de "permanecer no ser espiritual" e, exemplificando, é como alguém experimentasse a realidade dessa divindade essencial, tão frequentemente obscurecida, que é a base de toda vida na forma.

Entretanto, pessoalmente, não posso afirmar ter-me liberado a mim mesma de mais que uma porção da irrelevância acumulada em minha vida. Sem embargo, uma mente crítica está se transformando numa mente que perdoa, a tolerância está substituindo a emoção da ansiedade e, apesar da relativamente pouca cobiça que fica, estou simplesmente agradecida pelo que tenho e pelo fato de que um pouco disto excede à necessidade.

Para aqueles que são suficientemente afortunados para serem conscientes da diminuição de muito daquilo que foi interposto entre eles e a luz da verdade espiritual, a significação e o prazer de envelhecer se encontram especialmente na visão da relação entre passado e futuro no presente momento. Certamente, nesta relação infantil com o tempo, o ancião encontra uma espécie de "segunda infância", completamente diferente do infantilismo da senilidade. Os sentidos físicos poderão murchar, mas ao fazê-lo, cedem lugar a uma crescente atenção espiritual.

Alguém poderia lamentar a perspectiva de mal-estar no processo da morte, mas quando o momento se aproxima, o corpo físico está incluído entre todas as outras coisas que estão listadas para o descarte. A atenção da consciência está mais sobre o que acontece depois, e a experiência da vida como é - e não como se pensa que deveria ser - traz gratidão e júbilo que transcendem, sendo qualidades da Alma eterna, no tempo e no espaço.

Qualidades tais como estas são uma indicação da verdade essencial que emerge de um efêmero mundo de ilusão. O arrependimento pelos defeitos pessoais e pelas oportunidades perdidas no "passado" é visto como tão inútil como também o é o preocupar-se com um "futuro" que se aproxima rapidamente, e assim se libera de dentro dessa condição reflexiva na qual a meditação, o estudo e o serviço se fundem numa só atividade. Não estando mais separados, mas relacionados, convertem-se numa experiência diária, numa tríplice unidade na qual o júbilo e a gratidão do ancião expressam a Alma e, desembaraçado das cargas da juventude relativa, irradia o poder da boa vontade.

A Boa Vontade é Poder em ação e, neste universo, o Amor é Verdade. Parece-me que o privilégio da idade é servir desta forma, e assim é aceito voluntariamente o "diminuir a veemência e caminhar para a verdade" como nada menos que uma oportunidade espiritual que há de ser recebida com braços livres e abertos.

O Envelhecimento Espiritual Hoje

Certamente, envelhecer no caminho da alma pode ser um "diminuir a veemência e caminhar para a verdade", o que deveria ser aceito, como disse S.M., como "uma oportunidade espiritual que há de ser recebida com braços... abertos". Com a população mundial crescendo mais rápido no extremo da maioridade durante os próximos cinquenta anos, está se formando uma potencial "mente grupal" que tem a oportunidade de desenvolver este poder de pensamento como uma ferramenta construtiva de serviço. Como vimos nos comentários anteriores, usar os próprios últimos anos como um tempo de profundo e reflexivo pensar, pode significar um sentido de elevação e júbilo que transcenda as limitações de um corpo que se enfraquece. Enquanto as demandas de uma vida pessoal ativa começam a diminuir e a desvanecer sua potência, torna-se visível um novo potencial: a sabedoria. Mas não tem que ser uma sabedoria intensa e profunda; não somos, a maioria de nós, pensadores filosóficos. Sabemos que a velhice física não implica automaticamente sabedoria. Mas a maioria de nós ganhou uma certa percepção simplesmente a partir da experiência de viver todos esses anos. E este é um local de partida no caminho para algum novo nível da verdade.

O historiador Theodore Roszak, no seu livro "America the Wise" (América, a Sábia), vê esta crescente população de velhos como uma espécie de ameaça às elites empresariais que manipulam a trama do mercado competitivo. O que eles temem, disse, é "a sabedoria, o duramente ganho resultado da experiência e a reflexão... A última coisa que desejam é uma discussão de investigação sobre o significado da vida, seus mais altos valores e responsabilidades éticas. De fato, eles não podem se dar ao luxo da sabedoria. Mas as perguntas que conduzem à sabedoria são o que preenche as mentes das pessoas enquanto envelhecem". (Pág. 22).

A causa do impacto potencial sobre a sociedade da geração da explosão demográfica - a que chama "Gente Nova" - o professor Roszak observa que "um novo mundo está se abrindo diante de nós, não mais além dos mares, nem no espaço exterior, nem no espaço cibernético, mas no tempo. No tempo vivente. A longevidade é nossa viagem de descobrimentos... uma viagem que é tão fácil de realizar que o dinheiro torna-se o fator de menor interesse. Os poderes da mente, os recursos do espírito que esperam ser explorados tornam-na mais fascinante". (Pág. 25).

Para muitos da geração anterior à explosão demográfica esta viagem de exploração já começou, e eles são os pioneiros desconhecidos e sem elogios. Isto está bem para eles porque um dos requisitos da verdadeira sabedoria é o desinteresse. O desinteresse cede lugar à alma, esse desinteressado ser interior, nosso eu Real, cuja natureza é amor totalmente inclusivo. Se esta desinteressada qualidade de amor chegar cada vez mais na vanguarda da consciência nas décadas vindouras, seguramente marcará um novo padrão de valores que pode revolucionar o mercado. Isso dependerá, em parte, que a "onda" da Gente Nova seja sensível às cambiantes necessidades do mundo. Esta onda, a causa dos grandes números, tem afetado a economia em cada nova década desde o seu aparecimento. Encontrarão eles dentro de si mesmos esse ponto de tranquila paz que lhes possibilite alterar o mundo de novas e construtivas maneiras? A oportunidade é deles e das gerações subsequentes. A sabedoria é um recurso valioso porque abre o caminho para a vida espiritual e para a vida do espírito. Como a define um Mestre, a sabedoria "refere-se ao aspecto vital da evolução. Como lida com a essência das coisas e não com as próprias coisas, é a percepção intuitiva da verdade separada da faculdade de raciocínio, e a percepção inata que pode distinguir entre o falso e o verdadeiro, entre o real e o irreal". (Alice A. Bailey em Iniciação Humana e Solar, pág. 24) Envelhecendo no caminho da alma é uma viagem de revelação na consciência. O trabalho precursor do envelhecimento espiritual já começou. O caminho na consciência está sendo preparado para o completo florescimento da alma humana no mundo. Se a Gente Nova seguir a onda e se esforçar para buscar o seu mais alto potencial espiritual, o novo milênio terá um bom começo. Será um bom momento para ser ancião.

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