Cálice Ardente (*)

Como sabemos, trabalhar com o fogo espiritual envolve tanto destruição como construção. Na medida em que a consciência evolui, as formas que a contém são consumidas em algum tipo de queima psicológica; e vemos que neste momento isso está acontecendo em todo o mundo. O caminho do discípulo é de construção, destruição e reconstrução, mas de maneira ponderada e controlada: os centros de força experimentam uma evolução acelerada permitindo-lhes armazenar e verter com segurança o fogo etérico contido no corpo causal - o cálice que contém “o princípio das melhores coisas” da alma no plano mental.

O desenvolvimento dos cálices maiores e menores - do corpo causal da alma e dos centros no corpo humano - está descrito de uma forma maravilhosa em uma estrofe profunda e misteriosa que o Tibetano deu especificamente para despertar certos reconhecimentos nos discípulos. Ao invés de submeter os versos a uma análise aprofundada deve-se tornar possível que eles atuem na imaginação criativa, a fim de que a consciência possa alinhar-se e ressoar com os padrões de força que se encontram por trás deles. A sensibilidade às sensações novas, mas não totalmente desconhecidas, pode então começar a impressionar a mente, despertando débeis reconhecimentos de uma identidade superior e apontando para a sua revelação. As frases cuidadosamente formuladas nesta estância é um exemplo literal da nota chave - construir com sagacidade um caminho de reconhecimentos que conduza à revelação. Portanto, vale a pena ler a estrofe completa, como uma visualização grupal, a fim de estimular gradualmente o despertar no grupo, como resultado do trabalho conjunto ocasional:

O cálice inferior se ergue como uma flor de cor escura ou sombria. Apagado ele aparece à visão externa, mas dentro uma luz algumas vezes brilha e esmaga a ilusão.

O cálice segundo se eleva da camada inferior tal como a flor sai do cálice verde. De cor rosa ele é, e com muitas sombras a partir daí. E ao observador parece como se a cor pudesse transcender à luz que brilha internamente. Mas essa é apenas uma ilusão que o próprio tempo dissipa.

O cálice terceiro superpõe-se a tudo e se abre amplamente em tempo e suas pétalas expandem. O azul aparece e se funde com o rosa, formando primeiramente uma profunda e impenetrável sombra que impede a luz.

No terceiro cálice, escondido no fundo do coração, pequenina a princípio, mas sempre brilhando mais, brilha a luz divina. Essa luz, através do calor irradiante e da inata vibração divina, constrói por si mesma um lençol de iridescência. Ela emerge do cálice triplo como uma bolha flutuante ilumina uma flor.

Nesta camada iridescente brilha a Chama interior e por sua vez ela consome o material grosseiro inferior. Mesmo quando o Caminho fica mais perto, mais clara brilha a luz. Através do cálice grosseiro e escuro que forma a base, brilha a luz superna, até que todos que veem a radiação exclamam internamente: "Contempla, um Deus está aqui".

Adiante do cálice rosado vermelho resplandece o interno brilho, até que logo o vermelho do desejo da terra se torna o brilho do fogo do paraíso, e tudo se perde salvo a aspiração que não encobre a taça com a cor cármica.

Adiante do cálice azul brilha e arde a divina luz interna até que todas as formas estejam queimadas e deixadas, e nada é deixado salvo uma divina abstração. Nada além das conchas permanece abaixo, nada além das formas para uso, e na culminação, que estranho evento é visto? Espera, O Peregrino, ante a estranha aparência, com a cabeça curvada observa o progresso do fogo. Lentamente o cálice triplo mergulha num altar, e daquele tríplice altar se eleva o fogo até a Fonte. À medida que se eleva e espalha o fogo interior, a beleza da esfera central, acesa com um branco irradiante, faz os mundos permanecerem e proclamarem: "Contempla, um Deus está aqui".

As chamas crescem cada vez mais, cada vez mais o calor aumenta, até que - no momento da hora estabelecida - a chama destrói tudo, tudo se vai, o trabalho das épocas passa, num momento, para o nada.

Mas adiante do quádruplo fogo, do altar das idades, salta o Liberado, a Chama. De volta ao fogo do Cosmos salta a chama dual. Nas três é absorvida a essência, e se torna una com sua Fonte. A Centelha se torna a Chama, a Chama se torna o fogo e forma parte do grande ardor Cósmico que sustenta o segredo dos Cinco ocultos no coração.

A representação dos cálices de força, desabrochando como flores para a luz dourada do sol espiritual, proporciona uma visão maravilhosa da natureza do reconhecimento esotérico. Examinar uma flor que se abre, pétala por pétala, cuja haste gira e retorce para dar a sua face ao sol, é um exemplo claro de um reconhecimento demonstrado no reino vegetal. E da mesma forma, entre as mazelas rasteiras das forças que compõem a vida cotidiana, o discípulo deve estar de "olho vivo", a fim de reconhecer e seguir a luz que brilha do coração espiritual do sol, não importando o que possa estar ocorrendo no plano físico. Em cada momento temos a oportunidade de reconhecer as nossas responsabilidades para com a alma. À medida que a luz dourada do coração do sol desce sobre nossas vidas, todas as responsabilidades, todos os deveres, todas as coisas, se convertem em um serviço alegre, um serviço que se transforma em um jogo dinâmico com a luz que desce do sol espiritual.

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(*) Título e texto (parcial) adaptados, extraídos da alocução proferida por Christine Morgan na Conferência da Escola Arcana em Nova York em maio de 2014.

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