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BHAGAVAD-GITA


CAPÍTULO V: Karma-yoga, Ação em Consciência de Krishna

Pérola 29. RENÚNCIA AO TRABALHO E O TRABALHO EM DEVOÇÃO (versos 1 a 6)

1. Arjuna disse: Ó Krishna, em primeiro lugar, me pedes que renuncie ao trabalho, e depois passas a recomendar o trabalho com devoção. Agora, por favor, dize-me definitivamente qual dos dois é mais benéfico!

2. A Personalidade de Deus respondeu: A renúncia ao trabalho e o trabalho em devoção são bons para obter a liberação. No entanto, entre os dois, o trabalho em serviço devocional é melhor do que a renúncia ao trabalho.

3. Sabe-se que é sempre renunciado aquele que não odeia nem deseja os frutos de suas atividades. Tal pessoa, livre de todas as dualidades, supera facilmente o cativeiro material e é inteiramente liberada, ó Arjuna de braços poderosos.

4. Só os ignorantes dizem que o serviço devocional (karma-yoga) é diferente do estudo analítico do mundo material (sankhya). Aqueles que são eruditos de verdade afirmam que quem segue com afinco um destes caminhos consegue os resultados de ambos.

5. Aquele que sabe que a posição alcançada por meio do estudo analítico também pode ser conseguida através do serviço devocional, e que portanto vê o estudo analítico e o serviço devocional como estando no mesmo nível, vê as coisas como elas são.

6. Ninguém pode ser feliz só por renunciar a todas as atividades sem se ocupar no serviço devocional ao Senhor. Mas quem é introspectivo, que se ocupa no serviço devocional, pode alcançar o Supremo sem demora.

No decorrer do Capítulo Quatro, o Senhor Krishna enfatizou o trabalho em devoção e a inação com conhecimento. Porém, no final do capítulo, Ele recomendou que Arjuna saísse da letargia, se levantasse e cortasse todas as dúvidas com a arma do conhecimento transcendental. Isto produziu uma certa confusão na mente de Arjuna, o qual estava inclinado a entender que a renúncia em conhecimento envolvia a cessação de todas as atividades. Em outras palavras, Arjuna achava que a renúncia e o trabalho eram incompatíveis, e não compreendia que o trabalho com conhecimento pode livrar a pessoa de qualquer tipo de reação. Portanto, aqui, o Senhor conclui que o trabalho feito com conhecimento e devoção é superior. A verdade é que o conhecimento espiritual desprovido de ação não é suficiente para a liberação da alma condicionada. A pessoa precisa agir na qualidade de alma espiritual para, inclusive, fortalecer cada vez mais o conhecimento adquirido. A ação espiritual pode purificar completamente o coração da pessoa e, de uma vez por todas, livrá-la da propensão a agir em busca de gozo dos sentidos. Por conseguinte, ao agir com o conhecimento de sua relação espiritual eterna com o Senhor, a pessoa torna-se verdadeiramente renunciada. Atingir o conhecimento espiritual é comparado a encontrar a raiz da árvore, e praticar o serviço devocional, ou a ação em conhecimento espiritual, é comparado a regar essa raiz. Primeiramente, em sankhya-yoga, chega-se à conclusão filosófica que a alma nada tem a ver com este mundo material e depois, em karma-yoga, começa-se a agir em consciência de Krishna, sempre em relação ao Supremo. Portanto, ambos os processos envolvem a renúncia. Enquanto no primeiro caso se pratica unicamente a renúncia às atividades materiais, no segundo se inclui o apego às atividades espirituais. A conclusão é que embora ambos os processos sejam importantes e valiosos, aqueles que estão ocupados em consciência de Krishna estão mais bem situados, pois somente eles desfrutam da felicidades espiritual que se obtém do relacionamento amoroso com o Senhor.

Pérola 30. OFERECENDO O RESULTADO DAS ATIVIDADES (versos 7 a 12)

7. Aquele que trabalha com devoção, que é uma alma pura e que controla a mente e os sentidos, é querido por todos, e todos lhe são queridos. Embora sempre trabalhe, essa pessoa nunca se enreda.

8-9. Embora ocupado em ver, ouvir, tocar, cheirar, comer, locomover-se, dormir e respirar, quem tem consciência divina sempre sabe dentro de si que na verdade não faz absolutamente nada. Porque enquanto fala, evacua, recebe, ou abre ou fecha os olhos, ele sempre sabe que só os sentidos materiais estão ocupados com seus objetos ao passo que ele é distinto de tudo.

10. Aquele que executa seu dever sem apego, entregando os resultados ao Senhor Supremo, não é afetado pela ação pecaminosa, assim como a folha de lótus não é tocada pela água.

11. Os yogis, abandonando o apego, agem com o corpo, a mente, a inteligência e mesmo com os sentidos, com o único propósito de se purificarem.

12. A alma firmemente devotada alcança paz inadulterada porque Me oferece os resultados de todas as atividades; mas quem não está em união com o Divino, que cobiça os frutos de sua labuta, fica enredado.

A diferença entre uma pessoa em consciência material e em consciência espiritual está no apego. Enquanto a primeira está apegada aos resultados de suas atividades e age sempre visando ao seu próprio desfrute egoísta, a segunda está sempre apegada a Krishna e nunca cobiça os resultados de suas atividades. Esta pessoa quer sempre dar prazer ao Senhor, colocando-se, assim, no plano transcendental, livre de qualquer efeito material. Desse modo, qualquer ação que tal pessoa execute, quer seja corpórea, sensorial, mental ou intelectual, está sempre purificada da contaminação material, exatamente como a flor de lótus que permanece acima do nível da água, sem ser tocada por ela.

Em consciência material, os sentidos se ocupam constantemente em buscar prazeres materiais, mas em consciência espiritual, ou consciência de Krishna, acontece o contrário: os sentidos se ocupam unicamente no serviço amoroso ao Senhor. Uma pessoa consciente de Krishna perde seu ego falso que constantemente a impele a agir como um desfrutador. Pelo contrário, a pessoa consciente de Krishna sente-se um servo de todos e sempre age com pureza e autocontrole. Suas atividades são tão puras que todos permanecem sempre satisfeitos com ela. Portanto, assim como ela é um benquerente de todos, ela também se torna benquista todos.

Pérola 31. O SÁBIO DE VISÃO EQUÂNIME (versos 13 a 19)

13. Ao controlar sua natureza e renunciar mentalmente a todas as ações, o ser vivo corporificado reside feliz na cidade de nove portões (o corpo material), onde não trabalha nem faz com que se execute trabalho.

14. O espírito corporificado, senhor da cidade de seu corpo, não cria atividades, nem induz as pessoas a agir, nem cria os frutos da ação. Tudo isto é designado pelos modos da natureza material.

15. Tampouco o Senhor Supremo assume as atividades pecaminosas ou piedosas de alguém. No entanto, os seres corporificados ficam confusos por causa da ignorância que lhes cobre o verdadeiro conhecimento.

16. Quando, porém, a pessoa é iluminada com o conhecimento pelo qual a ignorância é destruída, então, seu conhecimento revela tudo, assim como o Sol ilumina tudo durante o dia.

17. Quando a inteligência, a mente, a fé e o refúgio de alguém estão todos fixos no Supremo, então, através do conhecimento pleno, ele purifica-se por completo dos receios e desse modo prossegue resoluto no caminho da liberação.

18. Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, veem com a mesma visão um brahmana erudito e cortês, uma vaca, um elefante, um cachorro e um comedor de cachorro (pária).

19. Aqueles cujas mentes estão estabelecidas em igualdade e equanimidade já subjugaram as condições de nascimento e morte. Eles são perfeitos como o Brahman, e desse modo já estão situados no Brahman.

O corpo material é comparado a uma cidade que possui nove portões: dois olhos, duas narinas, dois ouvidos, uma boca, o ânus e o órgão genital. Residindo temporariamente nesta cidade, a alma iludida se julga proprietária e controladora do corpo, sem compreender que, na verdade, as ações e reações do corpo estão sob a influência inevitável dos modos da natureza. Define-se, portanto, a alma condicionada como aquela que ainda vive sob o conceito corpóreo da vida e não é capaz de compreender que os corpos são simplesmente produtos de diferentes modos da natureza material. Ao ser iluminada pelo conhecimento transcendental, tal alma condicionada se libera destes conceitos ilusórios e pode compreender que a alma que habita o corpo é de uma natureza plenamente espiritual. Gradualmente, pela influência do conhecimento transcendental, tal pessoa afortunada se livra de todos os receios e toma completo abrigo no Senhor. Ela pode compreender cada vez mais que tudo e todos estão sob completo controle do Senhor e passa a perceber a presença transcendental do Senhor como Paramatma ou Superalma no coração de todos os seres. Assim, ela adquire sua visão espiritual, livre de qualquer distinção de espécies ou castas. Isto significa que, embora o corpo de um sacerdote brahmana ou o corpo de um pecaminoso chandala, ou comedor de cachorros, não sejam iguais em qualidade, uma pessoa plenamente consciente de Deus sabe perfeitamente que tal diferença existe unicamente na plataforma material temporária, ao passo que a alma (tanto do brahmana quanto do chandala) é da mesmíssima qualidade espiritual. Tal equanimidade mental é um verdadeiro sintoma de autorrealização e quem a alcançou tem toda chance de ser transferido para o mundo espiritual, conquistando definitivamente as condições indesejáveis de nascimentos e mortes.

Pérola 32. A ALMA LIBERADA E SUA FELICIDADE INTERIOR (versos 20 a 29)

20. Aquele que não se regozija ao conseguir algo agradável nem se lamenta ao obter algo desagradável, que é inteligente em assuntos relacionados ao eu, que não se confunde, e que conhece a ciência de Deus, já está situado na transcendência.

21. Semelhante pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer dos sentidos materiais, mas está sempre em transe, gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa autorrealizada sente felicidade ilimitada, pois se concentra no Supremo.

22. A pessoa inteligente não participa das fontes de misérias , que se devem ao contato com os sentidos materiais. Ó filho de Kunti, esses prazeres têm um começo e um fim, e por isso os sábios não se deleitam com eles.

23. Antes de abandonar o corpo atual, se alguém for capaz de tolerar os impulsos dos sentidos materiais e conter a força do desejo e da ira, ficará em situação privilegiada e será feliz neste mundo.

24. Aquele cuja felicidade é interior, que é ativo e se regozija dentro de si, e cujo objetivo volta-se para o seu próprio íntimo é de fato o místico perfeito. Ele liberta-se no Supremo e por fim alcança o Supremo.

25. Aqueles que estão além das dualidades que surgem das dúvidas, cujas mentes estão voltadas para si, que vivem atarefados, trabalhando para o bem-estar de todos os seres vivos, e que estão livres de todos os pecados libertam-se no Supremo.

26. Aqueles que estão livres da ira e de todos os desejos materiais, que são autorrealizados, autodisciplinados e empreendem um constante esforço em busca da perfeição, ficam garantidos de libertarem-se no Supremo num futuro muito próximo.

27-28. Repelindo todos os objetos sensoriais externos, mantendo os olhos e a visão concentrados entre as duas sobrancelhas, suspendendo dentro das narinas os alentos que entram e que saem, e assim controlando a mente, os sentidos e a inteligência, o transcendentalista que visa à liberação livra-se do desejo, do medo e da ira. Alguém que está sempre neste estado decerto é liberado.

29. Quem tem plena consciência de Mim, conhecendo-Me como o beneficiário último de todos os sacrifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os planetas e semideuses, e o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas, alivia-se das dores e misérias materiais.

Uma pessoa desprovida de consciência espiritual age sempre sob o encanto dos prazeres dos sentidos, especialmente o prazer derivado da vida sexual. Na verdade, um materialista não pode manter sua vida trabalhando com vigor, sem entregar-se às práticas sexuais. Desse modo, o materialista vive em constante dualidade, pois, ao conseguir algo relacionado com o seu corpo, ele se alegra, assim como ao perder algo relacionado com o corpo, ele se lamenta. Portanto, é considerada uma alma liberada a pessoa que, sendo espiritualmente avançada, mantém-se livre dos seis impulsos dos sentidos materiais: a fala, o paladar, o estômago, os órgãos genitais, a mente e a ira. Isto ocorre devido à percepção prática de que os prazeres dos sentidos, assim como o corpo material, são temporários. Ela sabe, portanto, que a compreensão espiritual e o prazer dos sentidos não combinam muito bem. Certamente, uma alma liberada que perdeu o interesse pelos prazeres dos sentidos materiais está situada na transcendência, pois se identifica como uma parte integrante da Suprema Personalidade de Deus e vive absorta em satisfação plena. Ela mantém-se incólume diante das dualidades materiais, pois compreende que, ao se entregar aos prazeres materiais, a pessoa terá de se enredar cada vez mais nas misérias materiais. Refreando os impulsos dos seus sentidos e mergulhando dentro de si mesma, a alma liberada desfruta de um prazer espiritual ilimitado. Na realidade, afastar-se das ocupações externas que oferecem felicidade material superficial só é possível para a grande alma que saboreia a felicidade interior. Este estado avançado de vida espiritual chama-se consciência de Krishna, e o alcança quem pratica serviço devocional puro ao Senhor. Como não existe diferença entre estar ocupado no serviço devocional ao Senhor ou estar situado no mundo espiritual, um devoto puro tem como garantia o seu retorno ao seu lar original, de volta ao Supremo. O desejo de desfrutar da energia material do Senhor está tão profundamente arraigado que mesmo grandes sábios têm muita dificuldade em controlar seus sentidos. A menos que se ocupem no serviço devocional, nem mesmo grandes sábios ou praticantes de astanga-yoga são capazes de conter os impulsos dos sentidos de maneira tão eficaz como os devotos puros que se dedicam a servir aos pés de lótus do Senhor em grande bem-aventurança e amor transcendental. Tais devotos puros alcançam a plataforma máxima de paz interior por seguir a fórmula apresentada aqui no Bhagavad-gita: como o proprietário e controlador supremo, o Senhor é o verdadeiro reservatório de nosso amor e o beneficiário último de todos os nossos sacrifícios e austeridades. Ele é o nosso verdadeiro benquerente e devemos sempre trabalhar em consciência de Krishna na prática, livre da especulação mental e livre de interesses materiais. No próximo capítulo, o Senhor apresenta em pormenores o processo de meditação dhyana-yoga, que é também conhecido como astanga-yoga, ou o processo místico de oito fases começando por yama e chegando finalmente ao samadhi, a mais elevada fase de meditação no Senhor. Este processo de dhyana-yoga ajuda o praticante a libertar-se de todas as espécies de temores e ira e, desse modo, ajuda-o também a sentir a presença da Superalma dentro do coração. Todavia, este processo gradual de yoga constitui apenas uma introdução ao serviço devocional ao Senhor, o qual é considerado a mais elevada perfeição da vida e o único meio que pode conceder a mais profunda paz ao ser humano.

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