Artigo escrito quando o medo tomou conta do mundo...

A Harmonia Emergente do Caos

JCBernardes
Alocução na Fundação Cultura do Espírito em outubro de 2001

Penso que num tempo infinito no passado houve efetivamente um mandado para trilharmos uma rota infinita e plena de realizações tanto quanto desconhecida, e que devíamos trilhá-la da melhor maneira possível, com as nossas próprias provisões e condições. Penso, também, que essa trilha, num tempo infinito no futuro, nos conduzirá a uma realização tão fantástica como também desconhecida por nós. Tudo que se disser, tudo que se intuir, sempre estará aquém da sua beleza e grandiosidade. A sua longínqua localização e portentosa grandiosidade são refletidas nestes dizeres do "Discipulado na Nova Era" que cita o "Velho Comentário":

“Quando o mais baixo do inferior, o mais denso do sólido e o mais elevado do superior forem todos elevados pelas pequenas vontades dos homens, então, Aquele em Quem vivemos poderá elevar a vívida e iluminada esfera da Terra e convertê-la em radiante luz”.

Esta apoteótica visão do futuro infinito – que nos aguarda – nos remete aos nossos dias com uma marca indelével e característica do nosso tempo no futuro imediato, ou seja: serviço. Serviço servido espontaneamente, colocado em estado de fluidez que é a característica básica da ação de servir. O servidor serve... Serve porque o serviço existe, não pela necessidade, mas o serviço em si. Servindo, criam-se as condições de servir e assim ele serve.

Mas, paradoxalmente, servir não é fácil. Requer alguns requisitos básicos e essenciais, construídos no decorrer de uma longa experiência, de um longo e sofrido rearranjo de valores que não coadunam com a vida espiritual, que não atendem ao chamado do coração ardente e amoroso, que não têm mais guarida, nem convivem com os anseios do novo espectro energético que já nos governa e nos dita normas novas de conduta e ação.

Entretanto, a despeito do som estridente desse chamamento, do seu conhecimento teórico, da sua exposição à exaustão por vários meios, pela experimentação e testemunho dos Mestres, pelo mandado maior do maior de todos Eles a nos indicar a “vida mais abundante”; a despeito de tudo isto continuamos sedados, entorpecidos, velados pela ilusão, pela miragem e pelo irreal. Mas, como quer Platão na descrição da noite obscura da alma, alguém sai da caverna para a luz do dia; ou como quer Teilhard de Chardin, quando alguém sobe ao convés e vê o céu, o mar, o horizonte. Esse despertar está sempre ocorrendo. Não obstante, e o grande despertar? O que pode sacudir a massa da humanidade, à exceção do “pontapé dado com a ponta de uma bota número 42, sola grossa e bico largo”, como quer Helbert Hubbard. É certo que de tempos em tempos algo de horrorizante acontece, como recentemente, mas via de regra de alcance limitado e efêmero. Que, então, pode nos tirar desse caos e nos elevar a patamares mais adequados ao Grande Mandado? Que pode nos arrastar para fora da caverna ou nos empurrar escada acima para o convés?

Se tivermos prestado atenção na grandiosidade do enunciado inicial vamos nos deparar com o universo do que é chamado “prisioneiros do planeta”, no qual estamos inseridos com tudo o mais que existe. Ao nos elevar, elevamos também esse “tudo mais”. Não é bastante nos elevar, é preciso elevar, redimir e resgatar o planeta, com tudo que nele existe e vive. Aí então, aquele tempo infinito no futuro se distancia imensuravelmente. Como? Então não saímos ainda dos primórdios da vida? Talvez não. Meu Deus! É o caos!

Não, o que há é apenas a realidade.

Há um meio de nos emergir desse caos, para alcançar a harmonia necessária e, sem olhar para trás, alcançar aquele infinito que jaz em nós mesmos, que está ao alcance da mão, embora não damos conta disto.

El Morya nos indica o caminho dizendo que:

“...quando o mal te rodeia e o círculo parece haver-se fechado, somente sobrará o caminho ascendente para o Senhor. Então sentirás que o Senhor está em algum lugar, não muito longe, mas que o fio da Hierarquia está sobre ti; tens somente que estender a mão. Somente aquele que se esforça por alcançar esse fio prateado, e somente na angústia, aprende a linguagem do coração”.

A fórmula é simples mas também complexa, extremamente trabalhosa, pois reverter tendências e hábitos forjados com a têmpera de séculos, ou de milhares de anos, requer coragem, vontade e, sobretudo, entendimento.

Penso que a criatividade, ou “vida interior”, expressa-se por meio da vontade e impulso da intenção, mas a sua fluidez está ancorada no coração amoroso que, ardente e magnético, induz a mente adestrada e programada, porque o coração é a mola propulsora universal fortemente estabelecida. É preciso ouvir mais o coração.

A humanidade tem de mudar, retificar valores e estender a mão para alcançar o fio da Hierarquia. Temos de começar as mudanças dentro de nós mesmos. Somos a parte e também o todo; portanto, se mudarmos, o todo também mudará. Se há dois mil anos, e no decorrer deles, não tínhamos e não tivemos as condições de entendimento para tanto, hoje as possuímos e, consequentemente, temos aumentada a nossa responsabilidade de, como cidadãos comuns do mundo, fazermos as mudanças necessárias para o firme estabelecimento geral de corretas relações humanas. Mudanças que devem ser feitas – e tão somente – em nós mesmos. Mudanças que farão com que a harmonia necessária emerja do aparente caos que somos nós mesmos.

Sim, é na ousadia de tomarmos decisões, de aproveitarmos os momentos adequados, de mudarmos conceitos, que construímos mundos novos.

Também nas coisas mais díspares é onde vamos encontrar vários ensinamentos. A ousadia do piloto do voo 564, em Denver no Colorado com destino a Washington, nos Estados Unidos, usando o serviço de comunicação de bordo, ainda antes que seu avião levantasse voo, no dia 15 de setembro passado, transforma o caos do medo e do pânico na harmonia do compartilhamento do grupo. Um ato simples, contudo corajoso e transformador. Disse ele:

“As portas estão, desde agora, fechadas e não haverá socorro, vindo de fora, para o que possa ocorrer neste avião. Vocês puderam constatar que o governo adotou regras novas para garantir a segurança nos aeroportos. Mas, aqui dentro, uma vez fechadas as portas, ele não nos disse o que fazer, e isto nos leva a estabelecer algumas novas diretrizes, que desejo compartilhar com vocês...

Eis nosso plano e as novas normas: se uma ou mais pessoas se levantarem dos seus lugares e declararem que estão sequestrando o avião, quero que vocês todos se ergam também, todos juntos. Peguem, então, o que tiverem à mão e joguem sobre eles; joguem sobre suas faces e cabeças, de modo a obrigá-los a erguer os braços para se defender. A melhor proteção que se pode ter contra facas são travesseiros e cobertores. Quem estiver mais próximo dos assaltantes deve então tentar lançar cobertores sobre suas cabeças, o que os impedirá de ver. Uma vez que isso tenha sido conseguido, deve-se tratar de derrubá-los e mantê-los dominados, no chão. Não deixemos que se levantem. Eu tratarei, então, de pousar no aeroporto mais próximo e nós certamente teremos então tempo para cuidar deles. Afinal, os terroristas são geralmente poucos, enquanto que nós somos mais de 200, aqui dentro. Não permitiremos que tomem conta do avião. Não deixa de ser interessante lembrar que a Constituição americana começa com as palavras ‘Nós, o Povo’. Eis o que somos, o povo, e não seremos vencidos.”

A despeito do medo que tomou conta do mundo naqueles dias, é bem provável que esse voo tenha sido o mais seguro e tranquilo de toda a história da aviação.

Termino, com um parágrafo de “A Luz da Sabedoria” do Boletim Triângulos:

“Durante séculos escreveu-se muito sobre a sabedoria, da qual a essência pode ser resumida como inteligência inundada com amor; porque quando a mente inteligente e o coração amoroso se resumem num só, o eu divino é capaz de fazer notar sua presença através deles. Isto se traduz numa perspectiva universal da vida que se manifesta por meio de corretas relações com o todo e suas partes – numa palavra, HARMONIA”

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