A Forma Triangular e a Grande Invocação
Rubens Turci

Com o opúsculo De Trinitate do educador romano Boécio (c. 480-525), inaugura-se no século VI o período que ficou conhecido como a Escolástica, cujo método formal molda o pensamento ocidental e dá origem às primeiras universidades. Ao valer-se do instrumental aristotélico para a análise do conteúdo da fé na Trindade postulada pela Igreja, Boécio cria as bases para o pensamento teológico descrito na Suma Teológica de Tomás de Aquino (1225-1274). Não por acaso, o termo escolástica relaciona-se com escola. As primeiras escolas originaram-se a partir do método e estilo de pensamento teológico boeciano, já presente no pensamento de Agostinho (354–430), que relaciona a fé e a razão no Sermão 43, quando afirma: crede ut intelligas, "crê a fim de que entendas".

Apesar de ser um tratado teológico, De Trinitate não faz sequer uma única citação ou referência à Bíblia, uma vez que ali o conceito de Trindade inexiste. Para Boécio, enquanto a ciência opera racionalmente com imagens, a teologia opera com a intuição intelectiva (intellectualiter), que vê não a imagem (objetos do mundo), mas a forma verdadeira (que se oculta nos objetos).

No cap. II, Boécio destaca: “Uma estátua constitui-se como tal e se diz efígie de ser vivo, não pelo bronze, que é matéria, mas pela forma nela esculpida.” Mais adiante, no cap. III, afirma: “Assim, pois, se se predica do Pai, Filho e Espírito Santo três vezes Deus, a predicação tríplice não constitui número plural.” O texto de Boécio deixa claro que Pai, Filho e Espírito Santo, são iguais, mas não são o mesmo.

Esta tentativa de Boécio conjugar razão e fé não passa despercebida a Tomás de Aquino, que procura adequar os dois modos distintos de procedimento teológico: aquele derivado do argumento de autoridade dos líderes religiosos e o outro derivado do uso da própria razão. Em Tomás de Aquino tal adequação procura esclarecer o mistério da Trindade através da distinção relativa das três Pessoas que formam uma única unidade. A questão 28 da prima da Summa, no artigo 3, expressa uma idéia que bem poderia constar da mística oriental: "A substância contém a unidade; a relação multiplica a Trindade". O entendimento de tal expressão fica claro quando se conhece a formulação da filosofia advaita (não-dual) de que TODOS SOMOS UM, o que torna o significado de “pessoa” (eu, tu, ele/ela) o de “relação”. A alteridade, portanto, em concordância com o que conclui o próprio Tomás de Aquino, não pode ocorrer na Substância divina.

Tanto em Boécio como em Tomás de Aquino, a Substância divina é forma. A substância seria responsável pela unidade; e a relação o seria pela Trindade. E a razão da unidade seria a ausência de diferença, pois o princípio da pluralidade é a alteridade. Deus, sendo forma sem matéria é Um; de modo que se nós formos filhos, seremos Um com Ele. Infelizmente esta formulação não expressa exatamente o entendimento de Boécio e Tomás de Aquino, uma vez que para eles a segunda pessoa da Trindade corresponde não ao Cristo que reside em todos nós, mas à figura de Jesus de Nazaré. Entretanto, o que importa ressaltar é que tanto em Boécio como em Tomás de Aquino a forma triangular guarda a multiplicidade que esconde a unidade.

As representações do triângulo estão presentes na tradição ocidental pelo menos desde o Timeu de Platão (428/427 - 347 a.C.), que descreve os sólidos geométricos e os associa ao entendimento dos fundamentos da natureza. No oriente tais representações aparecem nas mais antigas mandalas. Modernamente, uma idéia similar foi utilizada para dar forma à Grande Invocação dos Triângulos, descrita no site http://www.encontroespiritual.org/bagrande_mantram.html. Não pretendo discutir a história de como Alice A. Bailey a teria recebido do mestre tibetano Djwhal Khul e sim ater-me à utilização da forma do triângulo na Grande Invocação.

Quando três pessoas unem-se mentalmente a fim de meditar, um triângulo é formado. E diversos triângulos entrelaçados formam uma Rede voltada à produção, na prática cotidiana, de pensamentos que formam uma Rede de Luz e de Boa Vontade em torno do planeta.

O pensamento, como uma onda de rádio, tem um alcance sutil que reverbera para muito além do alcance de nossa voz. De modo que os nossos pensamentos, aos poucos, ganham vida, descendo do mundo dos conceitos para a realidade dos projetos concretizados. Isto quer dizer que quando nos comprometemos a fazer parte da Rede de Triângulos, estamos, de fato, nos comprometendo a invocar a Luz e o Amor e a desenvolver Boa Vontade para atuar na direção do bem estar sócio-ambiental do planeta como um todo.

Através da técnica dos triângulos, as pessoas vão se familiarizando com a essência das três pessoas e com a idéia de unidade aí subjacente. As pessoas passam a perceber a si próprias como os fios condutores que movimentam as energias do sagrado. E assim criam-se os canais por onde fluem as intuições que desvelam o segredo da Trindade e da Unidade.

A forma de participação no triângulo, portanto, é inter-ativa, com o sucesso da unidade triangular dependendo do compromisso de cada um. Somos os responsáveis, através do padrão de nossos pensamentos, pela realidade do mundo em que vivemos. Qualquer comunidade nada mais é que a soma desse padrão de pensamento de todos os seus membros. É o modo distinto segundo o qual cada um age e interage que dá forma ao tecido social. Por isto diz-se que cada membro é importante na rede de triângulos, pois quando um falha, “apaga” o seu triângulo, prejudicando a rede.

Assim, o trabalho de Triângulos funciona como um elemento de motivação para si próprio e também de influência sobre os demais. A Rede pretende ser uma forma positiva de contágio, onde se busca um efeito epidêmico positivo. O contágio positivo segue o mesmo princípio de transmissão do contágio negativo, ou seja, aquele presente nas doenças contagiosas e nas epidemias, que bem podem ser vistas como o resultado de um ambiente saturado de maus pensamentos.

A Rede de Triângulos, portanto, pretende ser uma forma de promover a saúde mental e física do nosso planeta. Diferentemente da grande maioria das práticas religiosas, a Grande Invocação de Triângulos estimula a compreensão da diversidade de crenças. Nela, nada se pede. É uma Invocação desinteressada, impessoal e universal. Os membros dos triângulos apenas procuram cooperar dentro do plano universal, com a consciência de que a boa vontade é a expressão, no coração humano, da vontade divina. E assim, cada um, aos poucos, vai-se descobrindo, dentro da sua própria tradição, como fonte de amor e luz espiritual. Cristo já dizia que onde dois ou mais se reunissem em seu nome, ali ele se faria presente. Em suma, a Grande Invocação de Triângulos procura valer-se desta idéia, que privilegia a idéia de rede social por oposição ao solipsismo. Ei-la, por fim:

A GRANDE INVOCAÇÃO

Do ponto de Luz na Mente de Deus
Flua luz às mentes dos homens.
Que a Luz desça à Terra.

Do ponto de Amor no Coração de Deus
Flua amor aos corações dos homens.
Que o Cristo volte à Terra.

Do centro onde a vontade de Deus é conhecida
Guie o propósito as pequenas vontades dos homens –
O propósito que os Mestres conhecem e a que servem.

Do centro a que chamamos raça dos homens
Cumpra-se o Plano de Amor e Luz.
E que ele vede a porta onde mora o mal.

Que a Luz o Amor e o Poder restabeleçam o Plano na Terra.

 

Rubens Turci
Cássia Curan Turci
http://www.butterflyway.net

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