O Papel da Vontade Latente no Despertar e no Progresso da Humanidade
Lígia Saramago

O assunto que abordarei aqui é o papel da vontade latente do ser humano em seu despertar e consequente progresso. Ao abordá-lo, devemos ter em mente a diretriz que ilumina nosso encontro: Que o grupo afirme a vontade como uma expressão da Lei do Sacrifício. É necessário compreender o que significa o nosso despertar, pois esta palavra pressupõe um entorpecimento prévio, algo como esquecimento. Nosso despertar como humanidade exige que recuperemos a memória do que é o ser humano. O Tibetano relembra nossa origem e parentesco divinos, nosso "passado distante e radiante", o abandono deliberado do Lugar Alto e o mergulho no "reino externo das trevas". Essa imersão marca nossa dupla condição: a de Filhos de Deus que adotaram veículos de matéria densa para se manifestar. Nossa biografia como humanidade começa quando a chama da autoconsciência é acesa no homem animal, que, em meados da época Lemuriana, finalmente se tornou um receptáculo adequado para os propósitos das entidades autoconscientes superiores, as Tríades Espirituais, que há muito esperavam por esse estágio preciso de amadurecimento, dando lugar à individualização, a marca do humano. Este grande evento não ocorreu isoladamente: veio na esteira do sacrifício de nosso Logos Planetário de assumir um corpo físico para acelerar a salvação do planeta, e na forma de Sanat Kumara, também chamado de "O Grande Sacrifício", Ele tomou sobre Si o destino das vidas aqui cativas. Essas entidades autoconscientes que vieram com Ele, as Tríades Espirituais, são chamadas de "os Filhos da Mente", "os Senhores do Conhecimento", "os Senhores da Devoção Incessante e Perseverante" e os "Senhores da Vontade e do Sacrifício". Estes são, como diz o Mestre, "os 'nomes qualitativos' dos divinos Manasaputras, os Agnishvattas, nós mesmos". Afirma ele, em Astrologia Esotérica, o propósito específico do sacrifício desses Filhos da Mente declarado nas seguintes palavras:

Os Senhores da Vontade e do Sacrifício descem à manifestação, sacrificando sua elevada posição e oportunidades nos planos superiores da manifestação com a finalidade de redimir a matéria e elevar as vidas que compõem sua forma (as Hierarquias Criadoras Inferiores) até o Seu nível, já que Eles formam a quarta Hierarquia Criadora. É este propósito subjetivo que está por trás do sacrifício destas Vidas divinas, Que somos nós mesmos em essência, as Quais são qualificadas pelo conhecimento, amor e vontade, e animadas por incessante, perseverante devoção. Elas procuram produzir, em seu sentido oculto, a morte da forma para liberar as vidas que nelas habitam e trazê-las a um estado de consciência mais elevada. (1)

O propósito de redimir e elevar a matéria justifica a descida à manifestação dos Senhores da Vontade e do Sacrifício, justifica nosso sacrifício. Num sentido esotérico, a morte, entendida como libertação da vida aprisionada na forma, está envolvida nesse processo de redenção. E aqui três palavras exigem nossa máxima atenção: matéria, forma e substância. Das três, a substância é talvez a mais complexa, pois, não sendo matéria propriamente dita, mantém com ela uma relação ainda um tanto evasiva para nossa compreensão. A substância conserva em si a inteligência, a mente em estado latente, tendo sido herdada de um sistema solar anterior. A substância é energia e é permeada pela Vontade divina. Como Vontade dinâmica, penetra na matéria que, limitada pela forma, permite que a própria substância evolua no plano físico, transfigurando-se gradativamente graças ao empenho da humanidade, dos divinos Manasaputras cativos na própria substância. Os sucessivos estados de ser, em níveis de consciência cada vez mais elevados, configuram uma luta nos limites e no controle da substância. Nesse sentido, até os Anjos Solares, agentes da redenção, encontram-se na condição de "prisioneiros do planeta". Quem controla o espírito em sua longa jornada de manifestação não é matéria nem forma, pois, como esclarece o Tibetano, “matéria grosseira é sempre controlada pelas forças que são esotericamente tidas como de natureza etérica e, portanto, como substância e não forma.” (2)

Assim, o discípulo lida com a substância viva que constitui tudo o que se manifesta, inclusive seu próprio corpo. A necessidade de redenção se explica pelo fato de a substância estar impregnada karmicamente, marcada pelos acontecimentos do sistema solar anteriores ao nosso. A responsabilidade por sua redenção envolve desde Sanat Kumara até a humanidade, e o significado e método de redenção ainda não são totalmente compreendidos por nós. É importante ter em mente que o discípulo não deve focar sua atenção na substância em si, mas deve tomar consciência do que originou as formas assumidas pela substância, ou seja, tornar-se sensível e receptivo à qualidade de Vida que as anima e que move a totalidade do Ser. Toda essa análise, metafísica e aparentemente restrita à especulação teórica, refere-se justamente a nós, aos nossos veículos e à vida que nos permeia e nos une. É uma análise do nosso estar aqui e da nossa razão de ser. Tente descobrir por que nós, Filhos da Mente, estamos aqui. Esquecendo nossa condição de Senhores da Vontade e do Sacrifício, precisamos despertar a vontade latente dentro de nós, entender o significado da redenção e consumar o sacrifício em nome do qual aceitamos mergulhar na existência. Pois viemos, segundo o Tibetano, para desenvolver a Ciência da Redenção.

Esta ciência não é um assunto fácil de entender, e seria impossível para mim tratá-la satisfatoriamente nesta breve exposição. Nas sucessivas iniciações pelas quais o discípulo passa, o significado da redenção vai se revelando gradualmente, e a ligação entre redenção, vontade e sacrifício é esclarecida através de um esforço de pensamento que, ao final, se revela como o próprio agente de todo o processo. Pois a substância é energia e a energia segue o pensamento. A tarefa de redenção da substância pelos Filhos da Mente encontra uma indicação importante no Discipulado na Nova Era, Volume II, quando o Mestre diz: "A imaginação é uma atividade criativa que produz uma mudança interna definida. Pode contar com ela, pois é uma das forças que influenciam a própria substância". (3) A imaginação criadora, prerrogativa do próprio pensamento, tem em si o poder de alterar a vibração da substância, e isso pode nos indicar um caminho claro e palpável de trabalho esotérico. A primeira lição envolve o resgate e a transfiguração da tríplice personalidade do discípulo, redenção da substância constituída pelas miríades de microvidas dévicas que compõem seus veículos e que, como substância condicionada por dívidas cármicas, deve evoluir pelo esforço das entidades autoconscientes por ela formadas. Isso implica a purificação e elevação da vibração da substância diretamente atribuída a ela, para que ela se torne mais capaz de responder à vontade do Logos, legando ao próximo sistema solar uma substância de ordem superior. A pequena vontade do discípulo identifica-se, neste movimento, com a Vontade do Pai. A resposta da substância à vontade superior é o caminho para sua redenção. Como criador dotado de mente, o ser humano integra o grupo dos Grandes Construtores, reproduzindo nos três mundos, em sua pequena escala, o processo logoico. Seu ato criativo se dá pela energia positiva de suas formas-pensamento, que, como desejos, pensamentos ou palavras, atraem e produzem efeitos nas vidinhas, os construtores menores, que compõem a substância. A direção correta da energia constitui uma imensa responsabilidade para a quarta hierarquia criativa, nós mesmos, e define em grande parte nossa relação com a linha dévica de evolução e nossa própria condição redentora como Anjos Solares.

Mais tarde, o alcance desse movimento redentor é ampliado quando o discípulo reconhece que também cabe a ele trabalhar pela redenção de seus semelhantes, pois, segundo o Tibetano, os membros da família humana integrarão o esforço hierárquico como participantes ativos de um ashram redentor. Em Miragem, ele diz: “(a) substância em evolução do plano físico e esta, na sua totalidade, e pela atividade da família humana, está sendo redimida e elevada, até que um dia veremos a transfiguração daquela substância e a "Glorificação da Virgem Maria" - o Aspecto Materno relacionado com a divindade .” (4) Essa dimensão feminina e maternal da divindade exige nossa atenção e compreensão, pois contém o mistério da resposta da substância ao pensamento e a possibilidade de elevar as vibrações a que está submetida. Como o Mestre nos disse mais tarde, os Anjos Solares que somos, escolhemos “morrer”, em sentido esotérico, para existir na matéria, e pelo nosso sacrifício – o sacrifício dos Filhos de Deus – a matéria ascenderá ao Céu. O terceiro aspecto da divindade, Brahma, é o aspecto substância, a vida positiva da matéria: "Ele é a revelação da substância e a chama que pode ser vista.", (5) como afirma o Tibetano. No palco da manifestação, a substância permeada pelo Espírito, ou Vida, traz a matéria à sua plena expressão e, à medida que se vitaliza e adere às formas organizadas pela mente divina, torna-se capaz de expressar, por sua vez, a desconhecida e essencial Realidade, o próprio Espírito.

Lançados ao mar da existência por esse movimento divino, somos tanto o resultado quanto o agente desse processo. Se pensarmos em nossa situação atual e concreta, nossa ação deve ter como objetivo tomar consciência da vontade latente no ser humano, entendida como a vontade de afastar e dissolver tudo o que possa impedir, encobrir ou obscurecer a plena expressão do Espírito na substância. Do ponto de vista prático, o despertar e o progresso da humanidade podem ter que começar hoje pelo enfrentamento da grande heresia da separatividade, sentimento que tem resistido aos diversos movimentos contemporâneos que tentam enfraquecê-lo nos campos da política, das relações internacionais e das questões étnicas e de gênero. A redenção da substância é incompatível com a negação da unidade da Vida.

Reconhecendo a tendência inexorável do universo em adequar a substância à dimensão espiritual, nosso despertar e progresso como Filhos da Mente que somos, depende da ativação da vontade latente em nós até sua plena manifestação como expressão da Lei do Sacrifício. Quando os filhos de Deus forem capazes de identificar suas pequenas vontades com a Vontade do Logos, esta mesma vontade, então desenvolvida e unida ao amor, os levará a compreender que sacrifício não significa privação ou renúncia, mas aceitar livremente suas responsabilidades, significa o mais genuíno impulso de cuidar e assumir a responsabilidade de manifestar a Vontade do Pai. Significa a capacidade de se identificar conscientemente com as centelhas latentes e ocultas da Vida divina na substância, e que nela lutam e clamam por luz maior. O sacrifício é um estado de êxtase em seu sentido mais belo e pleno: a capacidade de romper nossos próprios limites e nos identificarmos com o Todo, realizando assim nossa própria divindade.

Alocução na Conferência 2023 da Escola Arcana em Genebra

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1. Alice A. Bailey, Astrologia Esotérica, pp.116-117.
2. Alice A. Bailey, Miragem, Um Problema Mundial, p.128
3. Alice A. Bailey, Discipulado na Nova Era, Volume II, p.495.
4. Alice A. Bailey, Miragem, Um Problema Mundial, p.220.
5. Alice A. Bailey, Um Tratado sobre o Fogo Cósmico, p.523

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