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MISTÉRIOS E MAGIAS DO TIBETE
Chiang Sing


Parte V - Resumo:
Milarepa, Ermitão, Feiticeiro e Poeta
O Segredo do Yeti, o homem das neves
Magia Negra no Tibete
O Mistério da sucessão dos Lamas
Notas sobre o governo tibetano

Milarepa, Ermitão, Feiticeiro e Poeta

Nossa caravana serpenteia por um estreito caminho, ao lado de um abismo profundo. Logo depois encontramos um bando de iaques seguidos por um camponês. Grandes e pesados, com seus chifres grossos e arqueados, os iaques andam lentamente. Os longos pelos cinzentos e sujos pendem dos seus flancos, formando um pesado manto que os protege do frio. Seguimos rumo a Tashilhumpo, em nossa rota para alcançar Lhassa, a capital do Tibete. Passamos por um lugarejo chamado Lapsche, onde há uma pequena "ritod" ou ermida de pedra branca, centro de veneração dos tibetanos. Consta que lá viveu o famoso santo tibetano Milarepa ou Milarespa, discípulo do Guru Marpa que, por sua vez foi discípulo do grande Mestre Tilopa. Há séculos a sombra destes três ascetas paira sobre o Tibete. Os versos de Milarepa também chamado Milarespa por usar a tanga de algodão "respa", ainda hoje estão na boca do povo. Sua vida lendária é das mais interessantes. Milarepa foi uma das figuras mais extraordinárias do Tibete. Feiticeiro, ermitão, poeta, profeta, filósofo e criminoso, alma tumultuada, sempre angustiado entre o bem e o mal.

A vida de Milarepa nos é contada por seu discípulo Rechungm num livro (1) que após muitos séculos, não cessa de emocionar os tibetanos.

Milarepa ou Milarespa nasceu numa família abastada no ano de 1039. Com a morte de seu pai, a fortuna passou a ser administrada por um tio cujas trapaças deixam a família sem nada e reduzem sua irmã e sua mãe à escravidão. Sua mãe, mulher vingativa, envia Milarepa a uma escola de magia negra, a fim de que pudesse vingar a afronta. Milarepa desenvolve grandes poderes, podendo desencadear tempestades e paralisar pessoas à distância. Nada disso, entretanto, lhe trazia felicidade. Pelo contrário, sentia profundamente que não era através da vingança que conseguiria a paz e a auto-realização. Encontra então o famoso Guru Marpa, que o submete a um rígido treinamento. É obrigado a construir muros, casas, fazer os trabalhos mais rudes, para logo a seguir destruir tudo o que fizera e voltar, sempre e sempre a fazer a mesma coisa. Conduzem-no às cavernas nas galerias das montanhas onde, em total solidão, aprende a conversar com as "Dakinis" (fadas), com os seres demoníacos e os animais selvagens. Domina por completo o "tumo", ou o calor psíquico e a Yoga da Kundalini (fogo secreto que dorme na base de nossa coluna vertebral). E assim vive no meio do gelo vestido com uma simples tanga de algodão. Seu nome - Milarespa - significa vestido com uma tanga de algodão. Afinal, ele atinge a Iluminação, e toda sua mensagem espiritual é dada em poemas de rara beleza. É o grande instrutor, ermitão, feiticeiro e poeta. Suas poesias estão reunidas no livro "As Centenas de Milhares de Canções". Deste livro é o seguinte poema:

Pátria, casa, campos paternos
pertencem a um mundo sem realidade.
Quem quiser que os venere...
Eu, Mila, o ermitão vou em busca
da grande libertação espiritual!

Conta-se que um dia, quando Mila saiu de sua gruta em busca de um lugar ainda mais solitário para meditar, o potiche de barro onde ele cozinhava urtigas, caiu e partiu-se em mil pedaços. Então, Mila sorriu e compôs um poema:


Há pouco eu tinha meu potiche de barro,
agora já não o tenho...

Consolo-me pensando na lei da impermanência
das coisas e das criaturas.
Por isso, continuarei meditando sozinho.

O potiche de barro que era meu único
tesouro, quando quebrou-se se
transformou num Mestre para mim.
Esta lição da fatal impermanência
das coisas, é uma
grande maravilha!

Precisamente quando Mila cantava este poema, dois caçadores chegaram ao seu retiro. Ficaram surpresos ao verem um ser humano naquele estado de inanição. E perguntaram?

- De onde és, ermitão?

E Mila respondeu:

- Aos vossos olhos pareço um ser imundo e miserável, mas saibam que ninguém na terra é mais feliz do que eu!

E saiu cantando um outro poema:

"... e o corcel que é a minha alma, voa como o vento..."

E assim de montanha em montanha, de gruta em gruta, Milarepa envelheceu feliz.

Sua morte foi muito curiosa. Dizem que um famoso Lama, de nome Tsapuwa, ofereceu-lhe hospedagem durante uma de suas andanças. Mas, invejando os grandes poderes mágicos de Milarepa, mandou que sua concubina fornecesse ao ermitão uma comida envenenada. Mila abençoou-a mesmo sabendo que ela era o instrumento do seu fim.

Antes de comer, ele disse mansamente:

- Honorável irmã, tentarei libertá-la do Carma deste crime. Saiba que esta comida envenenada não me afetaria, se eu não tivesse terminado minha missão na terra. Mas, tranquiliza-te, ninguém saberá que fui envenenado...

Então, Milarepa mandou um de seus discípulos em busca do povo de Tingri e Nayaban que nele tinham fé. Durante vários dias Mila pregou sua doutrina de Paz e Amor. E diz a tradição, que de repente, todos viram estranhos sinais no céu. Terminado o sermão, Milarepa abençoou a todos e falou:

- Minha vida e minha influência em converter os outros, chegou ao seu fim. Agora, devo enfrentar a consequência de ter nascido...

E voltou para sua gruta na região de Chubar. Lá chegando, entrou em meditação profunda e morreu. Todos compreenderam que Milarepa tinha partido para o único mundo real, que tão completamente o absorvera.

Tudo isto veio-me à lembrança ao contemplar a pequena casa de pedra branca de Lapche, que dizem ter sido construída por ele, obedecendo às ordens de seu Guru Marpa. Há uma outra casa também construída por Mila durante sua iniciação em Lhobrag, ao sul do Tibete.

Pela estrada caminhavam três camponeses cantarolando uma canção.

- Estão cantando os poemas de Milarepa! - exclamou Kazi.

No horizonte, quase ultrapassando as nuvens, além dos majestosos Montes Guring, ecoava a canção dos camponeses...

_____
Nota:

(1) - Este livro foi traduzido para o inglês pelo Lama Dawa Sampubs e o Prof. Ewans Wents, publicado pela Oxford Press.


O Segredo do Yéti, O Homem das Neves

Olhando os Montes Guring, o lama Kazi falou:

- Além daqueles montes é que dizem que habita o Yéti, o misterioso homem das neves ...

- Mas isto não é uma lenda? - indaguei.

- Talvez mas dizem nossas tradições que o Yéti é uma reminiscência do gigantesco homem das cavernas, na idade da pedra. Consta que são seres que só podem viver em lugares gelados, desertos e inóspitos. Às vezes, os Yétis deixam estes lugares e são vistos rondando algumas aldeias, tentando raptar mulheres. E quiçá por isto, ainda continua existindo a raça deste abominável homem das neves...

Pierre Julien escutava atentamente. Como arqueólogo, tinha pesquisado a existência do Yéti e estava muito interessado sobre este assunto.

- O estudo científico do homem, na história da civilização - disse ele - calcula em cerca de 500 mil anos nosso aparecimento sobre a terra. E... verifica um fato natural, até hoje sem uma explicação satisfatória: o salto brusco e enigmático que há na teoria da evolução de Darwin, verdadeira lacuna entre o macaco superior e o homem inferior. Se realmente existe, o Yéti deve ser o misterioso elo entre o homem o macaco...

- Sim... é possível! - exclamou o Dr. Vessantára. O lama Kazi encarando Pierre, retrucou:

- Aqui no Tibete acreditamos que existe na Criação, entre o homem e o macaco, um ser desconhecido. Ele não encarna nem reencarna na terra, mas sim em outros planos do infinito. Esse ser é, ao mesmo tempo, o primeiro homem e o último macaco, ou melhor o macaco que deixou de ser símio para vestir a roupa biopsíquica do homem, alterando sua anatomia, sua evolução e seu psiquismo. Dizem nossos livros santos que o Yéti é um parente próximo do homem, mas sua evolução se processa fora da terra, talvez no mundo subterrâneo de Shamballah. E isto a humanidade atual ainda não pode compreender...

O diálogo foi interrompido porque em seguida avistamos a cidade de Tashilhumpo.

Estava situada numa planície seca, rodeada de colinas. Ao longe, pouco depois de Tashilhumpo vimos também a cidade de Gobshi, às margens do grande rio Ralung.

Prosseguimos lentamente até que chegamos à Tashilhumpo, que fica a uns 4.785 metros de altitude. No céu destacava-se o perfil da enorme montanha de Nojin Kang Sang, que segundo Kazi tem 7.920 metros. Esta montanha é cheia de lendas fabulosas e a tradução de seu nome é: Nobre Geleira do Gênio.

Kazi não gostou quando soube que íamos ficar em Tashilhumpo.

Disse que ali era a região dos feitiços e que moravam feiticeiros famosos por seu poder diabólico. A regra principal destes bruxos é ter ódio de tudo e de todos os que não pertencem à sua seita. São homens e mulheres de instintos baixos, treinados para dominar magicamente os demônios. Com seus poderes infernais provocam muitos fenômenos. Nossa intenção era ficar pouco tempo em Tashilhumpo, apenas o necessários para renovar nossas provisões, ferrar os cavalos e tomar um banho.

Pelo caminho fomos passando por algumas pessoas, que nos olharam estranhamente. Vimos algumas mulheres do campo, com seus aventais listrados e suas longas saias franzidas cor de vinho. Tiravam água de um poço. Paramos para fotografá-las e uma delas deu à Mahima, uma florzinha silvestre chamada "fada das delícias". Era amarelinha e parecia uma margarida.

Observamos que as casas na maioria eram de pedra pintadas de branco. Lembravam velha construções dos tempos mongólicos de Ghengis Khan. O povo era magro, parecia triste e mal nutrido. Vimos pelas ruas muitos cães vadios, sujos e cheios de feridas. Paramos num albergue onde a custo conseguimos um lugar para repousar. Enquanto prosseguiam os preparativos para continuarmos viagem, Vessantára, Mahima e eu fomos dar uma volta pela cidade.


Magia Negra no Teto do Mundo

Saímos andando, em meio ao povo e alcançamos a grande praça do mercado. Ali o povo troca peles por alimentos, compra roupas tecidas com pelo de iaque, amuletos, orações escritas em papel de arroz, elixires da longa vida. Vimos garras de tigre encastoadas em prata, rosários de sementes de "roudrach" - uma árvore sagrada da Índia - ídolos talhados em madeira e pedra. Vendo uma coisa e outra, fomos nos afastando do centro. Distraídos, entramos por um caminho estreito que conduzia a um vale com vegetação exótica. Apaixonado por botânica, o Dr. Vessantára começou a examinar detidamente as plantas, explicando a que família pertenciam e para que serviam.

Ficamos tão distraídos examinando as plantas que nem vimos a tarde desaparecer aos poucos. E de repente já era noite. Uma chuva fina começou a cair. O ar pareceu encher-se de uivos de lobos. A impressão era de que as trevas vinham não do alto, mas da própria terra. Retrocedemos sobre nossos passos, mas não conseguimos encontrar o caminho de volta. Não tínhamos nem uma lanterna de bolso, nada que iluminasse o estreito caminho. Caminhamos vagarosamente sem saber por onde, lutando contra um vento forte que começou a soprar de repente. Depois de vaguear algum tempo, vimos por entre a neblina uma gruta rochosa. Corremos para a gruta e nos abrigamos num canto.

E se aquela gruta fosse o antro de um tigre ou de outra fera? - indaguei a mim mesma, tremendo de medo. Percebendo meu nervosismo, o Dr. Vessantára pronunciou um "mantra" num tom bizarro. Logo senti-me melhor.

Então, Vessantára e Mahima começaram a conversar sobre nossa próxima chegada à Lhassa. Nossos planos para conhecer o Dalai Lama, visitar o maravilhoso palácio Potala. E aquela conversa foi me acalmando. O tempo passou em revoada, sem que o percebêssemos. Descansamos um pouco recostados nas paredes da gruta. Quando saímos de lá a madrugada já ia alta. O ar estava pesado e molhado de névoa, como os olhos depois do pranto. Uma rajada de vento rompeu a cerração noturna. Seguimos andando pela mata. Era um caminho sinuoso salpicado de velhas árvores, que findava numa encruzilhada da mata. Perto vimos um casarão cinzento meio iluminado. Começamos a ouvir o som cadenciado de um tambor. Vinha lá de dentro. Paramos para escutar. Velas pretas presas aos mourões ardiam com um odor acre. Um rumor de vozes masculinas parecia anunciar algum rito estranho. Levados pela curiosidade, rodeamos a casa cautelosamente. Eu estava com medo, mas queria ver o que se passava lá dentro. Escondemo-nos atrás de uma moita e olhamos através da grande janela aberta.

Vimos uma sala ampla e sombria. A um canto, um grupo de mulheres, sentadas no chão com as pernas cruzadas. No meio, um grupo de homens mal-encarados parecia esperar um sinal de alguém.

Sobre um altar vimos uma estátua de bronze representando uma espécie de bode. Era uma estátua singular. A metade da efígie era humana, da cintura até o pescoço. Mas a cabeça e os pés eram de um bode, com grandes chifres recurvos pintados de preto. Junto da estátua estavam cinco velhos imundos e decrépitos. Sobre a pele escura e luzidia, usavam apenas um avental parecendo feito de ossos humanos, o que faz parte da feitiçaria tibetana. Na cabeça um gorro pontudo, feito de pele preta. Suas mãos curtas e grossas, batiam ritmicamente em tamborins ornados de guizos. Abriu-se uma porta ao fundo e entrou um ruidoso grupo de homens e mulheres. Vestiam longas túnicas vermelhas. Fizeram uma roda e começaram a dançar freneticamente. Seus rostos estavam crispados, olhos arregalados e tinham as bocas pintadas de roxo. Na mão esquerda, agitavam grandes máscaras dos demônios Chi Kang. Em dado momento colocaram as máscaras no rosto. Pareciam possessos, dominados por entes diabólicos. Por trás do altar surgiu uma mulher vestida com um manto negro. Era alta e esguia. Usava um estranho penteado, em forma de chifres. Ela entrou na dança. Um momento depois seu rosto moreno e formoso, transfigurou-se numa expressão de ódio. Rodearam-na sete homens. Eram altos e jovens e usavam apenas o avental feito de ossos. Na mão tinham uma corneta. Entraram no meio da roda e se ajoelharam, enquanto os outros cantavam.

Uma mulher entregou a um dos velhos uma cesta com velas vermelhas e pretas. Uma a uma ele as foi acendendo e colocando sobre a cabeça dos rapazes que estavam ajoelhados. Com a ponta de um punhal fez uma leve incisão no braço da mulher que usava o manto negro. Em seguida, fez outro corte mais fundo e o sangue jorrou. Foi recolhido numa pequena tigela. Mergulhando os dedos no sangue fresco o velho fez um gesto estranho no ar e gritou uma invocação.

Houve uma pausa no ritual. Em seguida os feiticeiros queimaram ervas num grande braseiro de bronze. A sala encheu-se de vapores espessos, projetando no ar imagens fantásticas e fugazes. Alguns feiticeiros torciam as mãos e os braços, agitados por espasmos convulsos.

Um homem abriu um pesado reposteiro vermelho e vimos sete bodes pretos amarrados num canto. Eles soltaram os bodes que correram pela sala fazendo um barulho infernal. A mulher tirou o manto vermelho e apareceu nua. Tinha um belo corpo bronzeado. O velho aproximou-se e começou a untar-lhe o corpo com uma estranha pasta cinzenta. Soubemos depois que esta pasta era feita de fuligem, gordura e excremento de bode...

Ficamos parados com nojo e horror. Os bruxos seguraram os animais pelos chifres e os colocaram no centro da sala. Em volta deles um dos velhos derramou um pó cinzento parecendo pólvora e ateou-lhe fogo. Um clarão ofuscante iluminou o ambiente, ouvimos um estrondo que parecia vir do teto do casarão. Uma nuvem escura foi se condensando aos poucos. Lentamente foi se materializando um ser monstruoso. Era um gigante peludo, com quatro cabeças e quatro braços. Pensamos que estávamos vendo alucinações. A visão durou muito pouco. Logo, em passos lentos de dança, a mulher nua aproximou-se do tapete de pele de iaque. Deitou-se de quatro, com as pernas abertas.

Então... seguiu-se uma cena orgíaca, a qual deixamos de descrever por ser de uma baixeza indescritível...

O repique entrecortado dos tambores preludiou um som ensurdecedor. Parecia que tinham ressuscitado os velhos demônios tibetanos. Um homem gordo, usando uma tanga vermelha começou a dançar. Agitava um chocalho feito de uma caveira e ornado com enfeites de cobra.

De repente os tambores se acalmaram. Com os rostos convulsionados vimos duas mulheres cambalearem. Pareciam possuídas pelos demônios. As mais estranhas cenas começaram a acontecer. Punhais e velas voavam sozinhos pelo ar. Em volta da estátua do bode colocaram uma espécie de torta, redonda e chata como um pão árabe. Todos se entregaram a uma dança desenfreada e o ritual pareceu terminar.

A custo conseguimos nos libertar da força oculta que nos prendera naquele lugar. Sentimos um ardor estranho no rosto. Dentro em pouco ficamos empolados como se tivéssemos sido mordidos por mil abelhas. Não sabíamos a que atribuir tais sintomas. Saímos apressadamente daquele lugar diabólico e algum tempo depois, chegamos ao mercado. De lá fomos direto para o albergue, onde nossos companheiros nos esperavam apreensivos. Após ouvir o relato da nossa aventura o lama Kazi falou:

- Os queridos irmãos estiveram perto da ermida do feiticeiro Tralung, que vive nesta região. Estão sentindo o efeito da magia que os bruxos praticaram...

- Mas, que devemos fazer? - perguntei ansiosa.

- Vou preparar um antídoto com o suco de umas ervas sagradas que vendem no mercado. Esperem-me aqui!

Pouco depois voltava trazendo uma tigela de madeira onde socara umas ervas verdes e cheirosas.

- Esfreguem isto na pele enquanto faço uma invocação aos Guias Espirituais!

Obedecemos. Assim que o suco das plantas penetrava em nossa pele, o ardor e a vermelhidão foram desaparecendo completamente.

Contentes com o resultado, agradecemos a Kazi e apressamo-nos em sair da cidade.

Durante a jornada Pierre Julien narrou uma curiosa experiência feita no mundo das bruxas, por um homem erudito, diretor do Instituto Alemão de Etnologia. A história é das mais curiosas e merece ser transcrita:

Alguns anos antes da II Grande Guerra, o Professor Will-Erich Peucker - um dos maiores conhecedores das lendas europeias teve a surpresa de receber, entre sua numerosa correspondência, uma carta da revista americana "Life". Pediam que ele repetisse suas experiências na presença de um de seus repórteres. O Professor Peucker não contava com este interesse dos americanos. Encontrara num velho Livro de Bruxas da Idade Média, uma curiosa receita de feitiçaria. Teve a paciência de experimentá-la sessenta, vezes, com resultados surpreendentes. Com isso esperava provar que nos antigos documentos de crendices, há elementos valiosos sobre a época em questão.

Com as indicações encontradas neste misterioso livro, o Professor fabricou uma pomada cinzenta que tinha como elementos básicos, plantas venenosas. Quase todas da família das "solanáceas" destacando-se o estramônio. Obteve assim, uma autêntica "pomada das bruxas". Pediu a um advogado seu amigo que o acompanhasse na experiência. Fecharam-se no gabinete de trabalho do professor e usaram a pomada como mandava a receita escrita no ano de 1568. Em obediência à receita esfregaram a pomada na testa e nas axilas. Sentiram no princípio um leve cansaço. E este foi se aprofundando até que caíram numa espécie de ebriedade. Finalmente adormeceram profundamente. Decorridas vinte horas - a experiência começara num dia à tarde - acordaram ao cair da noite do dia seguinte. Sentiram dores de cabeça, boca seca e a garganta a arder, num estado igual ao que se observa depois de uma forte embriaguez alcoólica.

Sem trocarem sequer uma palavra, o Professor e seu amigo anotaram suas impressões físicas e psíquicas, seus sonhos e suas visões. A coincidência dos apontamentos é surpreendente. Ambos sentiram que tinha feito voos fantásticos, encontrado entes fabulosos, com caretas em vez de fisionomias. Sentiram ainda que tinham participado de festas grotescas, caído em abismos, empreendido cavalgada por uma região infernal. Para ambos a aventura terminou com sonhos orgíacos acompanhados de visões horrendas, de extraordinária plasticidade. A surpresa foi ainda maior quando se verificou que seus relatos correspondiam, no seu conjunto, e em vários pormenores, às confissões arrancadas às bruxas pelos algozes da Idade Média.

O Professor Peucker concluiu, de sua experiência, que estas pretensas bruxas, ávidas de vivências, usaram a pomada como estupefaciente medieval. Contraíram, assim, o vício do seu uso e, mais tarde, confundiram os sonhos com a realidade ou foram forçadas por suplícios a contarem os seus sonhos. Não é de admirar que os homens da Idade Média acreditassem nestes relatos pormenorizados de cavalgadas com bruxas, orgias com diabos e o célebre "sabat" dos feiticeiros.

Segundo as pesquisas do Professor Peucker, pomadas deste gênero já eram conhecidas no Mar do Norte e no Báltico, há mais de setecentos anos.

O professor alemão levou muito a sério suas análises científicas sobre as bruxas, bem como os testes que fez com a pomada misteriosa. Nos livros das bruxas da Idade Média, encontrou receitas ainda hoje usadas por muitas donas-de-casa, como por exemplo: o chá de tília para acalmar e produzir o sono; o chá de folha de pitanga para baixar a febre, a canela sassafrás e a abóbora d'anta, contra dores ciáticas e nevralgias. O ilustre professor experimentou também certos conselhos mágicos, tais como dar a um cão um pedaço de pão que esteve colocado debaixo da axila direita durante meia hora. Diz o professor que o cão transforma-se no mais fiel e dedicado amigo e jamais abandona seu dono...

Conseguiu ainda provar que a maioria das receitas mágicas das bruxas são receitas iguais às dos grandes médicos europeus dos tempos medievais. Afirma o professor alemão que pretende repetir suas experiências juntamente com um grupo de médicos, químicos e psiquiatras alemães, franceses e italianos. Depois então pretende publicar um "Manual das Lendas", uma obra em dez volumes, provando o que outrora disse o sábio grego Platão: "Os mitos são veículos de grandes verdades, dignas de serem estudadas e meditadas".

Este relato nos distraiu bastante durante a viagem e quando demos conta, o pico branco da montanha de Lhajagonak já tinha desaparecido à nossa direita e estávamos chegando à aldeia de Dzara. Continuamos cavalgando às margens do rio Rulung. Vimos um vale que se abriu de repente dando para a planície de Tatang. Esta bonita planície terminava aos pés do lago Yamdrok, com suas águas azul-turquesa. Entre nós e as calmas águas azuis, estava a cidade de Nagartse, com seus lindos "chortens" (relicários) dourados, suas inúmeras bandeiras de preces tremulando ao vento. Passamos pelo centro de Nagartse e prosseguimos viajando rumo à cidade de Shigatse.

A manhã estava clara e fria. Mas de repente o céu começou a ficar cheio de nuvens escuras. E uma chuva grossa começou a cair. Encontramos uma cabana abandonada no meio da estrada e ali nos abrigamos. Os criados acenderam uma pequena fogueira para fazerem chá e o fogo também nos aqueceu. Passamos o resto do dia conversando na cabana, enquanto a chuva caía forte. Pouco a pouco a noite silenciosa e triste desceu sobre nós.


O Mistério da Sucessão dos Lamas

Após o jantar conversamos sobre vários assuntos, até que comentamos sobre o mistério da sucessão dos Dalai Lamas. Soubemos então que o mecanismo que preside a sucessão dos pontífices tibetanos é único no mundo. O lama Kazi explicou que não se trata de uma sucessão hereditária nem eletiva. Cada vez o Dalai Lama nasce num outro corpo é sempre a mesma alma que encarna em diferentes corpos.

O Dalai Lama tanto pode nascer no seio de famílias ricas como pobres. Não há privilégios. É uma espécie de democracia fundada sobre bases populares, e uma monarquia que repousa sobre bases metapsíquicas. O pai do quinto Dalai Lama era um humilde camponês da aldeia de Chung gye.

Foi a partir do século XVI que o mecanismo da sucessão dos lamas tomou forma definitiva. No Tibete consta que para a reencarnação de certas pessoas é preciso um período de quarenta e nove dias. No caso de um Dalai o período pode ser muito mais longo ou muito mais curto. Frequentemente a demora é de dois anos. Após a morte de cada Dalai, forma-se um conselho dos lamas mais importantes do Tibete. Estes consultam o oráculo oficial, cujas respostas são muito importantes. Este médium-oráculo reside sempre no Mosteiro de Nechung que fica a uns seis quilômetros de Lhassa, a capital do Tibete. Quando o Guia Espiritual se manifesta através do "pawo" ou médium-sacerdote, os lamas anotam as respostas e começam as buscas para encontrar o novo Dalai. O caso do décimo terceiro Dalai foi muito interessante.

Isto ocorreu no ano de 1880. Conta-se que neste ano morreu o XIII Dalai. Como de costume, os lamas do Potala foram consultar c oráculo de Nechung, que revelou o nome do pai e da mãe da futura criança em cujo corpo a alma do antigo Dalai renasceria. Depois o oráculo mandou que o Grande Lama Gyu fosse contemplar as águas do lago Cho kor gyem que são como um espelho encantado onde os lamas podem ver os acontecimentos futuros.

A água deste lago é límpida e de um azul muito claro, mas quando alguém chega para consultá-las, uma leve brisa começa a soprar e então, as águas ficam brancas. No centro do lago forma-se um turbilhão, uma nuvem se condensa por cima e logo os consulentes percebem dentro do lago, as imagens que mostram os acontecimentos futuros. Quando o Grande Lama Gyu olhou para as águas encantadas não viu nada. Algum tempo depois, viu uma casa junto a um pessegueiro florido. Naquela noite, em sonhos o Grande Lama viu uma jovem mulher tendo nos braços uma criança de uns dois anos.

Passados dois anos o Grande Lama encontrou a casa junto ao pessegueiro e reconheceu a mulher e a criança que vira em sonhos. O Grande Lama examinou a criança detidamente para ver se ela tinha os sinais característicos de todo Lama Rei. Para ser um Dalai a criança tem que apresentar protuberâncias carnais nas clavículas ou nas omoplatas, as orelhas devem ser mais longas que as orelhas normais - o que é uma marca da sabedoria - as palmas de suas mãos devem ter gravadas uma pequena cruz suástica. E todos estes sinais estavam na criança. Mas ainda faltavam outras provas. No meio de diferentes objetos a criança devia escolher os objetos pessoais que tinham pertencido ao último Dalai:

o "treng wa" ou rosáro
o "nga chung" ou tambor litúrgico
a "tri bu" ou sineta
o "dor je" ou queimador de incenso.

Uma taça de chá, e assim por diante. Foi só depois da criança reconhecer todos os objetos e depois de que o oráculo de Nechung, ter confirmado ser ele a reencarnação do último Dalai, é que a criança foi oficialmente declarada o novo Lama Rei.

Soubemos ainda que a descoberta do décimo quarto Dalai foi bem diferente. Em 1935, após onze anos de buscas, o Lama Regente visitou mais uma vez o lago Cho kor gye, na esperança de ter uma visão de onde encontrar o novo Dalai. E nas águas do lago o Lama viu três sílabas: "A Ka Ma". Em seguida, viu um mosteiro de três andares, encimado por uma cúpula dourada. Viu também um caminho que conduzia a Leste do mosteiro a uma colina em forma de pagode chinês. Em frente à colina viu uma cabana. Esta visão foi longamente discutida entre os teólogos mais competentes do Tibete. Chegaram à conclusão de que a nova encarnação do Dalai tinha nascido em Lhassa. Após confirmarem isso com o oráculo de Nechung, intensificaram as buscas. Foi então que aconteceu um milagre que os tibetanos lembram até hoje. Esperando que ficasse pronto seu mausoléu definitivo, a múmia do antigo Dalai tinha sido colocada numa das salas do Potala, sentado num trono. E assim milhares de pessoas que vinham à Lhassa podiam render homenagem àquele que durante cinquenta e quatro anos tinha sido a encarnação do deus Avalokitaesvara. Aconteceu várias vezes que os guardas encontravam, pela manhã, a múmia, que na sua posição normal olhava para o Sul, voltada para o Leste. A teoria de que o novo Dalai tinha nascido a Leste de Lhassa, encontrou assim, mais crédito.

Não havia possibilidade de que ninguém mudasse a posição do corpo, porque há uma maldição para quem ousa tocar na múmia de um Dalai, sem a permissão do oráculo de Nechung.

E assim, na primavera de 1937, o Lama Regente encontrou o mosteiro de três andares, dedicado à memória do sábio Kamapa e a cabana à Leste do mosteiro. Antes de entrar na cabana o Lama Regente disfarçou-se de camponês. Assim que se apresentou à porta da cabana viu um menino brincando distraído. Ao vê-lo o garoto correu ao seu encontro gritando:

- Lama! Lama!

A hipótese estava bem próxima da certeza. Foram feitas as provas de costume e o menino saiu-se muito bem. Estava descoberto o XIV Dalai Lama.

No dia seguinte, deixamos a cabana perto do lago Yamdrok e prosseguimos viagem. A chuva tinha passado completamente e o céu estava claro e luminoso. Enveredamos pelo Passo de Karo-Lha e fomos subindo o vale bordado de penhascos. Algum tempo depois, à direita do vale vimos uma grande caravana. É difícil descrever o esplendor destas grandes caravanas orientais, lideradas por ricos mercadores tibetanos, que mais parecem senhores feudais. A paisagem natural formava uma bonita moldura para a caravana. Ao longe, os picos gelados da grande geleira Nojin e mais além o pico de Kang Sang Nojin, recobertos de neve.

Os ricos mercadores vestidos com longas túnicas de brocado colorido e cintilante, ornados de joias, montados em soberbos cavalos, com suas espadas reluzindo ao sol, eram sem dúvida, uma tentadora presa para os ladrões, que às vezes infestam as estradas desertas do Tibete.

À medida que a caravana se aproximava, observamos várias senhoras, luxuosamente vestidas. Para protegerem a pele delicada do rosto, usavam bonitas máscaras de couro primorosamente pintadas.

Hoje é véspera do Ano Novo - disse Kazi - Certamente esta caravana vai à Shigatse, tomar parte nos festejos populares.

- Mas... que dia é hoje? - indagou Pierre.

- Estamos na véspera do décimo quinto dia do segundo mês, que aqui corresponde ao primeiro dia do ano.

- Ah!

E Kazi prosseguiu:

- Durante sete dias, sob o olhar complacente dos Lamas, o povo canta e dança pelas ruas. Em cada casa, a família se reúne para uma festa solene. Os honoráveis irmãos terão uma bela oportunidade de assistir à entrada do Ano Novo no Tibete...

- Aqui usam o calendário lunar? - indaguei.

- Sim, nosso calendário é regulado pelos movimentos da Lua.

Compreende doze meses de vinte e nove ou trinta dias. Ao final de um período de trinta meses, um novo mês é acrescido para coordenar a duração dos dias com o ciclo lunar. O Ano Novo tibetano tem início na primeira Lua Nova, posterior à entrada do Sol no signo do Galo, que corresponde aproximadamente ao signo de Aquário, no Zodíaco ocidental. Geralmente cai entre 21 de janeiro e 19 de fevereiro do calendário gregoriano, usado no ocidente.

- Qual é a origem do calendário lunar? - indagou Pierre.

- Dizem uns que é oriundo da Índia, outros da China, mas o certo é que o calendário lunar foi introduzido no Tibete pela princesa chinesa Won Chang, que no ano 642 antes de Cristo, casou-se com o nosso rei Srong Tsan Gampo. Segundo o calendário lunar, o período dos anos é dividido em ciclos de doze a sessenta anos. Cada ano é representado por um animal sagrado do Zodíaco oriental que são: Rato, Búfalo, Tigre, Lebre, Dragão, Serpente, Cavalo, Carneiro, Macaco, Galo, Cão e Porco. Aqui no Tibete os "Da Wa" ou meses não têm um nome como no Ocidente. São chamados apenas primeiro mês, segundo, etc., e a palavra "Da Wa" precede a todos, tal como em "Da Wa Tang Po" ou primeiro mês. A semana é dividida em sete dias ou "Za", usando os nomes do Sol, Lua e outros planetas.

Dias Planeta Símbolo
Domingo (Nima) Sol Sol
Segunda (Dawa Lua Lua Crescente
Terça (Migmar) Marte Olho vermelho
Quarta (Lag pa) Mercúrio Mão em gesto místico
Quinta (Pur bu) Júpiter Um raio
Sexta (Pa san) Vênus Uma fita
Sábado (Pen ba) Saturno Molho de feno

Assim que Kazi acabou de falar, avistamos a cidade de Shigatse.

Nossa atenção se voltou para aquele curioso aglomerado de casas brancas. Ao longe vimos as águas do famoso rio Tsan Po, que é para os tibetanos o que o Nilo é para os egípcios. Este rio nasce em Kashmir no norte da índia, atravessa o Tibete num curso de cerca de mil quinhentos e cinquenta quilômetros, passa através de uma floresta no nordeste de Assam, e reaparece na Índia como rio Bramaputra. Une-se então com as águas sagradas do rio Ganges.

Além do rio Tsang Po, inúmeros picos cobertos de neve, marcam o início da inexplorada região de Chang Tang.

Estávamos em pleno Tibete. Muito longe da civilização ocidental, chegando cada vez mais perto de Lhassa, a cidade sagrada do Tibete, onde uma civilização diferente e real ainda vive...

Quando entramos na cidade, o povo veio para as portas e janelas verem os estrangeiros. As ruas de Shigatse são pavimentadas de pedras e as casas são muito bonitas. Vimos muitos salgueiros-chorões cercando as casas e os jardins. Prosperidade e alegria transpareciam no rosto do povo. Ficamos numa pequena hospedaria no centro da cidade.

A noite foi calma e repousante. De manhã, bem cedo, acordamos com os cânticos dos mendigos errantes, que vão esmolar de casa em casa. Observamos que nas varandas e janelas das casas estavam pendurados rolos de seda pintados com imagens de deuses lamaístas. Nota-se forte influência chinesa na pintura tibetana.

O povo em romaria se dirige aos mosteiros da cidade para oferecer seus presentes de "tsampa" ou cevada torrada e manteiga de iaque. Levavam também as brancas echarpes da felicidade, para enfeitar as estátuas dos deuses. Orações são as únicas manifestações do Ano Novo tibetano.

Ficamos em Shigatse apenas dois dias e logo nos pusemos a caminho da cidade de Chusul. Assim que deixamos Shigatse atingimos um lugarejo chamado Partsi. De lá seguimos as margens do rio Tsang Po. Continuamos viagem, passamos por um pequeno deserto de areia que nos levou à praia de Chaksan. Era ali que tínhamos de parar e tomar uma barca que nos conduziria através do rio.

Meia hora depois chegou a barca, cheia de carga e de homens alegres e fortes. Era uma grande barca quadrada. Parecia uma enorme caixa de bombons. Seis pares de remos eram manejados por homens e mulheres que cantavam alegremente. A barca atracou a uns trinta passos da praia. Alguns homens saltaram e foi desembarcando um grande carregamento de sal - um dos produtos mais importantes do comércio tibetano.

Depois, os animais e nossas bagagens foram levadas para bordo. Finalmente também subimos. O dono da barca era um indiano, de pele bronzeada e turbante vermelho. Pediu dez rúpias (cerca de dez cruzeiros) por pessoa.

Após as negociações a barca desatracou e os homens começaram a remar. Ela afastou-se da praia, seguindo pelas tranquilas águas do grande rio Tsang Po até alcançar a margem oposta. Nosso desembarque foi tranquilo sem nenhum contratempo.

E assim continuamos a cavalgar através de muitos lugares, que certamente pouco mudaram no decorrer dos últimos séculos. Quando chegamos a alguns quilômetros ao norte de uma fértil planície, alcançamos o próspero vale de Kyi Chu. Continuamos viajando rumo ao Este, até chegarmos na pequena cidade de Chusul. Consiste apenas de um grupo de seis ou sete casas de camponeses. Pedimos pousada numa das casas e ali passamos a noite.


Notas Sobre o Governo Tibetano

Na manhã seguinte continuamos a viagem. O caminho era quase todo ladeado por rochedos escarpados. Durante a viagem conversamos animadamente e o Lama Kazi falou sobre a original forma de governo adotada no Tibete.

É interessante lembrar que a maioria dos ocidentais costuma pensar que o Tibete é um país estranho, onde vivem sábios misteriosos que passam o tempo fazendo incríveis milagres. Um país de monges governado por monges...

Contudo, a realidade é diferente. Embora o Dalai Lama seja o Chefe do Estado e do Governo é o Panchen Lama ou sábios que possuem poderes metapsíquicos, quem toma as decisões importantes.

Ao Dalai cabem tanto os negócios eclesiásticos como os civis.

Logo abaixo dele existem dois órgãos governamentais: uma parte do "Yiktsang" ou Conselho Eclesiástico, composta de quatro membros do clero, e o "Kasahg" ou Conselho dos Ministros. Um Ministro eclesiástico e um Ministro do Estado assumem a ligação entre os dois Conselhos e o Dalai Lama.

A política estrangeira é sempre dirigida pelo Dalai Lama ou seu Guru, o Lama Regente.

Há também uma Assembleia Nacional que só se reúne em casos graves. É composta por cinquenta homens dos mais importantes da cidade de Lhassa. Nas províncias, o governo é representado por Cinco Ministros. Deles dependem os comandantes dos fortes, chamados "Dzon pon", cuja função é manter a ordem e recolher as taxas dos impostos.

Em seguida, a classe mais importante do Tibete é a dos ricos proprietários de terras, que formam a pequena nobreza.

E terminando sua explicação sobre o governo tibetano, o lama Kazi disse:

- O Tibete é um país pequeno e fraco, materialmente falando.

Creio que a maioria do meu povo deseja ser deixada em paz, livre para praticar sua religião. Seria realmente muito bom se todos recordassem sempre os ensinamentos do sublime Sidarta Gautama, o Buda:

"Olhai ao vosso redor e contemplai a vida. Tudo é passageiro. Só nascimento e morte, crescimento e decadência. A gloria do mundo é como uma flor, linda pela manha e... murcha à tarde.

Só a verdade é o dom imutável do espírito. Estabelecei a verdade em vossa alma porque a verdade é a imagem do Eterno Ser...".

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