O PROGRESSO NA VIDA DA HUMANIDADE
Boa Vontade Mundial

“... o verdadeiro problema está no campo da consciência... a luta é entre a forma e a vida dentro da forma, e entre o progresso, levando à libertação do espírito humano, e a atividade reacionária, levando à prisão da consciência humana e à restrição de sua liberdade de expressão.” (Alice Bailey)

“Se o desejo de satisfazer os desejos é fundamental para a vida do homem, o desejo de servir é igualmente essencial para a alma.” (Alice Bailey)

“O progresso é a lei da vida. O homem não é homem ainda.” (Robert Browning, “Paracelso”)

“Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos preocupados e comprometidos possa mudar o mundo. Na realidade, é o único que tem conseguido.” (Margaret Mead)


A história de toda a vida é de avanços, de transformações, de nutrir o potencial latente para trazê-lo à manifestação e o incessante surgimento do novo. Este é o ponto de vista espiritual. Aplica-se a todo ser humano, à humanidade como um todo, a um planeta, a um sistema solar, e, até onde podemos perceber, ao universo manifestado na sua totalidade.

Na vastidão desta imagem universal somos confrontados com o fato extraordinário de que uma forma de vida que chamamos humanidade, com uma consciência autorreflexiva desenvolvida, surgiu em um planeta aparentemente insignificante de uma pequena parte do universo, já capaz de compreender o conceito de quase todo o infinito Cosmos material do qual ele - nós - somos uma minúscula parte.

Maravilhosamente agora, estamos começando a acompanhar a nossa primeira tentativa de exploração, como espécie, das dimensões espirituais interiores. Em resposta ao caleidoscópio da experiência humana, desenvolvemos a capacidade de refletir, de fazer perguntas, de saber mais sobre os diferentes motivos que governam nossas vidas e de meditar sobre os ideais e as qualidades que aspiramos. Esta condição de reflexão marca o estágio de evolução, quando o primeiro vislumbre da luz da alma que habita interiormente é detectado. Manifesta-se no reconhecimento de que há valores melhores pelos quais viver, do que aqueles colocados em primeiro lugar pelo interesse próprio (ver este assunto). O desejo de satisfazer as necessidades dos outros desafia os velhos hábitos egoístas, e um crescente sentimento de responsabilidade pelo bem-estar dos outros se torna um motivo cada vez mais insistente de ação. Em outras palavras, a pessoa torna-se progressivamente um doador e cada vez menos um tomador. No nível coletivo podemos ver esse padrão incorporado pelas pessoas de boa vontade em qualquer nação respondendo aos valores mais elevados e desafiando as condições, muitas vezes a um grande custo pessoal.

Para cada ser humano, esta história significou a criação de uma longa e minuciosa forma através da qual a realidade interna da alma pode expressar-se; uma jornada de existências que a maioria de nós ainda está longe de terminar. No nível mais amplo, a história registrada da experiência humana - as culturas, as religiões, os impérios que foram construídos e posteriormente desapareceram - pode ser considerada de uma forma similar, como tentativas sequenciais para construir melhores formas. Naturalmente e, obviamente, houve muitas falhas, assim como êxitos no caminho. Na maior parte da História a verdade disto tem sido compreendida somente por muito poucos. Mas, a todo o tempo o objetivo de "tornar-se Homem", para parafrasear Robert Browning, foi imaginado por esses poucos, mediando e filtrando através da mitologia e da religião institucional, e apresentando à humanidade de qualquer período específico uma forma que poderia ser aproveitada e numa medida de rotina.

O Progresso Passado

Um olhar para trás ao longo dos relativamente poucos milhares de anos de história registrada dá uma imagem dupla da intensidade do esforço humano em direção a algum tipo de melhoria ou liberdade, em paralelo com a marcha inevitável para o colapso e para o esquecimento. Isto é maravilhosamente expresso no poema de Shelley, Ozymandias, com sua descrição da estátua quebrada no deserto - tudo o que resta de um governante orgulhoso e seu império brilhante. Em seu fascinante livro Uma Breve História do Progresso, Ronald Wright faz um amplo levantamento de muitas das civilizações e culturas que surgiram, existiram e, finalmente, desapareceram no esquecimento. Não obstante todas as civilizações serem únicas, ele, no entanto, destaca padrões recorrentes em sua emergência e desenvolvimento e nas circunstâncias que levam ao seu desaparecimento final. Uma das ideias interessantes que ele explora é a "armadilha do progresso". Toda civilização começa com uma "dádiva de capital" do meio ambiente. Enquanto uma civilização vive dentro de seus meios - em outras palavras, do investimento proveniente do capital e não do próprio capital, então ela pode - e em alguns casos acontece - continuar indefinidamente, pois está vivendo em harmonia com o mundo natural. Mas assim que começa a viver acima das suas possibilidades e começa a consumir o seu capital, como é o padrão usual, então o seu desaparecimento é inevitável.

Um exemplo perfeito disso é a civilização da Ilha de Páscoa, no Pacífico, onde as pessoas em algum momento entre os séculos XV e XVI foram vítimas de seu próprio sucesso. Uma população em expansão exerce pressão crescente sobre o ambiente natural da ilha. Mais e mais das árvores originalmente abundantes foram derrubadas para fornecer madeira para habitação, canoas e, sobretudo, para o transporte e montagem das estátuas, ou Moai, pelas quais a ilha é tão famosa. Análise das camadas anuais dos lagos em crateras da ilha mostra que não houve mais depósitos de pólen de árvores após o início do século XV. Em outras palavras, em algum momento, os então habitantes da ilha cortaram a última árvore. Como os recursos se tornaram escassos, vários clãs da ilha começaram a lutar por aquilo que foi abandonado, e no momento em que os exploradores europeus chegaram, em meados do século XVIII, a população tinha diminuído de 10.000 para 2.000 pessoas.

Outro exemplo que Wright cita é a Atenas do Século VI AC onde, em contraste com a falta de previsão dos habitantes da Ilha da Páscoa, houve uma tomada de consciência de um possível problema futuro pela derrubada das florestas. Pelo menos dois governantes - Sólon e Pisístrato posteriormente - trataram de resolver esses problemas potenciais: primeiro proibindo o cultivo nas vertentes montanhosas; depois oferecendo subvenções para estabelecer pomares de olivas que poderiam estabilizar o solo. Ronald Wright observa com ironia que “tal como os esforços em nossos dias, financiamento e vontade política foram inadequados para a tarefa”.

A um simples olhar, esses exemplos oferecem um padrão de vida do qual a humanidade não pode escapar. Inevitavelmente eles nos fazem perguntar se estamos, de maneira coletiva, num curso precipitado que acabará em desastre para nossa atual humanidade, que está exaurindo a sua dádiva de capital num ritmo alarmante. Mas, para uma visão interna, esses e muitos outros exemplos são mais bem vistos como experimentos, onde os motivos que levaram ao sucesso ou ao fracasso são reconhecidos e entendidos e as lições aprendidas gradualmente contribuem para o desenvolvimento de um caráter mais responsável e amoroso, num nível tanto individual como da coletividade.

Talvez fosse útil se focássemos no progresso humano como um processo dual. Há em primeiro lugar um componente materialista. É aquilo com o qual estamos todos muito familiarizados, especialmente no Ocidente, onde o progresso material tem sido uma de suas notáveis realizações. De fato, desde o Renascimento Europeu, a engenhosidade humana e a vontade de saber, em conjunto, precipitou entre muitas outras coisas de tirar o fôlego uma expansão de descoberta científica e tecnológica, de invenção e realização. Isso não pode ser negado. A humanidade tem uma dívida enorme para com os servidores nestas áreas que elevaram a expectativa e os padrões de vida humana, e desenvolveram enormemente o conhecimento científico e a habilidade. Na atualidade, por exemplo, temos a capacidade de alimentar e cuidar adequadamente de cada pessoa no mundo. O fato de não o fazermos não é um problema de recursos ou de capacidade técnica, pelo menos no momento, mas um problema de falta de visão e vontade política suficiente - ambas qualidades do coração.

Isso nos leva a considerar a segunda dimensão paralela do progresso humano, que abraça o lado espiritual da vida e cobre o refinamento emocional, o desenvolvimento da inclusividade ao invés do pensar separativo, o despertar ético, e um crescente sentimento de responsabilidade universal, que podem ser, todos, descritos como expansões de consciência. É essa segunda dimensão que é crucial. Que progressos podemos identificar aqui? Porque é óbvio que se nós não avançamos tanto espiritual como materialmente, então todos os outros progressos são uma espada de dois gumes. Para todos os seus enormes benefícios, o progresso material tem também muitas vezes significado, e continua a significar, que simplesmente somos capazes de desenvolver formas mais manipuladoras para construir impérios, a explorar destrutivamente o meio ambiente e inventar formas mais terríveis de matar uns aos outros. No nosso tempo, especialmente, o progresso material está criando uma “nêmesis” da humanidade na forma de nossa crescente ameaça à integridade de toda a biosfera do planeta. Nas mentes de alguns, isto põe em causa o progresso futuro e até mesmo a continuidade da raça humana.

A CRISE ATUAL

Um tema central de muitas tradições espirituais é que elas olham para a frente para um momento em que as preocupações egoístas do eu exterior ou personalidade são deslocadas pelos motivos do despertar do Eu superior ou alma. Isto é exemplificado no budismo na descoberta do nobre caminho do meio com a sua óctupla realização de valores corretos, aspiração correta, palavra correta, conduta correta, modo de viver correto, esforço correto, pensar correto e concentração correta. Corretamente praticada, rompe a roda do renascimento e o indivíduo atinge o estado permanente de abnegação e de compassiva bem-aventurança chamado nirvana. Este é o objetivo, e as várias fases de realização ao longo do caminho define o progresso. No cristianismo a mesma história é incorporada na parábola do Filho Pródigo, onde o desejo desenfreado leva a uma vida de indulgência perdulária, até que o filho pródigo, na sarjeta, recupera os seus sentidos e decide trilhar o caminho espiritual ou "se ergue e vai para seu pai".

Há muitos sinais de que agora chegamos a este ponto na evolução da humanidade como um todo. Estamos começando a perceber que para além de certo nível, mais riqueza e um número crescente de bens não se traduzem em maior felicidade ou um maior senso de realização e de segurança. Na verdade, há muitas evidências de que o reverso é o caso. Nosso intenso materialismo e consumismo estão inevitavelmente levando a um questionamento saudável e uma crescente suspeita de que a busca da felicidade é completamente entendida como a busca do prazer - certamente não é o que os pais fundadores dos Estados Unidos tinham em mente ao longo de dois séculos atrás!

Tudo isso significa que, em larga escala, a humanidade está começando a sofrer o drama 'pródigo'. Estamos começando como indivíduos e sociedades a querer desenvolver as qualidades de relacionamento correto que caracterizam o nobre caminho do meio. Estamos começando a experimentar coletivamente o despertar para a realidade da alma e dando os primeiros passos vacilantes no caminho espiritual como o discípulo mundial. Há muitas implicações nesta declaração, mas vamos olhar apenas dois deles pela sua relevância para o estado da humanidade e do mundo na atualidade. O primeiro é reconhecer que é um triunfo ter chegado a este ponto no desenvolvimento humano. Nossa crise atual é um sinal dos enormes progressos da humanidade feitos através dos séculos passados. Esses avanços não têm a ver com a evolução do corpo humano que se manteve praticamente o mesmo por centenas de milhares de anos, eles têm a ver com o refinamento gradual da natureza do desejo, a coordenação de um intelecto muito poderoso, e o consciente desvelar da própria alma.

A segunda é que quando esse desvelamento da consciência começa a ganhar ritmo e as pessoas realmente começam a experimentar algo da presença viva da alma ocorrem dois reconhecimentos paralelos da realidade. Uma deles é a extraordinária sensação de alegria que surge quando tocamos, mesmo que apenas por um breve momento, a realidade requintada de amor iluminado que chamamos de alma. É uma alegria que supera todas as outras alegrias humanas, como testemunhadas pelos grandes sábios do mundo e místicos ao longo dos tempos. É um erro, no entanto, assumir que esta experiência é reservada somente àqueles de inclinação religiosa. Pelo contrário, em todos os campos da atividade humana, que se esforçam para realizar um maior potencial e servir, pode dar origem a este tipo de expansão da consciência. Seja qual for o caminho específico de abordagem, ao longo do tempo esta experiência revela que a vida tem sentido e é animada por um propósito amoroso - em outras palavras que há um Plano. Ao mesmo tempo, no entanto, todos os que têm esta experiência se tornam agudamente conscientes de que o Plano "está muito longe ainda de consumação", como Alice Bailey descreve. "As trevas se tornam mais aparentes, realmente; o caos, a miséria e o fracasso dos grupos mundiais se revelam; a imundice e a sujeira das forças em luta são notadas, e todo o sofrimento do mundo se abate sobre o aspirante atônito, ainda que iluminado. Poderá ele suportar esta pressão? Poderá ele entrar em contato com o sofrimento e, no entanto regozijar-se sempre na consciência divina? Terá ele capacidade para encarar o que a luz revela e ainda continuar seu caminho com serenidade, certo do triunfo final do bem? Será ele sobrecarregado pelo mal da superfície e esquecerá o Coração de Amor que bate por trás de toda aparência exterior? Esta situação deve ser sempre lembrada pelo discípulo, ou ele será esmagado por suas descobertas." (Um Tratado Sobre Magia Branca, p.355) Este é um pensamento mais apropriado para incluir num comentário sobre a evolução humana, como destaca em poucas palavras tanto a realização e a situação da humanidade no momento presente, e também nos ajuda a entender o porque do desespero de algumas pessoas sobre a natureza da humanidade e que só veem trevas para o futuro.

A maioria dos leitores deste comentário saberá por experiência própria que fazemos o maior progresso em nossas vidas através de lidar criativamente com as diversas crises que surgem em nosso caminho. É a época de maior dificuldade que nos compelem a descobrir e tirar os recursos anteriormente ocultos da alma, de sabedoria e pensamento criativo, a fim de dar um grande passo para frente. Talvez tenhamos que reconhecer um hábito destrutivo do pensamento ou um padrão nocivo emocional e deixar isso para trás, ou uma visão nova e inesperada nos faz perceber que temos uma oportunidade de fazer uma mudança radical na vida de nosso interesse e direção.

Qualquer que fosse o motivo trouxe o melhor em nós, algo mais para alcançar a necessária transformação. O que é verdadeiro para o indivíduo também é profundamente verdadeiro para a humanidade como um todo. No presente momento a humanidade está enfrentando uma série de estupendas crises autogeradas que estão causando até mesmo ao mais otimista olhar para o futuro com certo nível de alarme. Este comentário não é o lugar para explorar isto em grande detalhe. No entanto, é sábio avaliá-los, a fim de termos uma imagem clara do que está acontecendo.

Grandes problemas do mundo físico estão cada vez mais ocupando a nossa atenção. Estes incluem as alterações climáticas, a superpopulação, o fornecimento de alimentação adequada e de preço acessível e água fresca, a escassez de energia, poluição ambiental, conflitos militares e proliferação de armas nucleares e outras de destruição em massa. O impacto negativo da humanidade sobre o mundo natural está gerando uma taxa de extinção que coincide com os períodos de grande extinção do passado quando, por exemplo, os dinossauros desapareceram. Alguns especialistas preveem que até metade das espécies atualmente existentes podem ser extintas até 2100. Há também os problemas das atitudes emocionais humanas, tais como o fundamentalismo fanático, desejos materiais excessivos, desespero e medo do fracasso. Além disso, existem os problemas de um intelecto hiperativo e destrutivo com o seu intensificado senso de separatismo, egoísmo e suas crueldades associadas. Acima de tudo, mesmo que não seja certamente um novo senso de visão e de valores, isso não parece estar evocando a necessária e radical resposta com rapidez suficiente por parte dos governos e do mundo dos negócios corporativos, embora as ONGs, grupos e indivíduos em todo o mundo estejam respondendo com sacrifício e imaginação em seus milhões.

Assim, a humanidade está agora sendo desafiada em todas as três áreas da sua forma de vida - mental, emocional e física. Ao mesmo tempo, muitas pessoas chegam a ver todas estas crises como aspectos de uma crise fundamental - a crise de relacionamento. Que as pessoas estão começando a ver as coisas sob este prisma é em si uma boa causa para otimismo, pois é testemunho de que a humanidade está começando a estabelecer a ponte entre a tendência natural do intelecto para separar e dividir e a capacidade do coração de pensar expansivamente e ter em conta o bem-estar do todo.

VALORES E VISÃO - A EVIDÊNCIA DO PROGRESSO

Diz-se que um dos primeiros sinais de que a alma está exercendo sua influência na vida de uma pessoa é o surgimento de novos valores e a aplicação prática de um sentido de desenvolvimento de responsabilidade. A história dos últimos 500 anos está cheia de exemplos onde alguns indivíduos trabalhando em conjunto com um novo sentido de visão, tem galvanizado um grupo maior de pessoas em atividade planejada e dedicada. Não somente levantaram sua própria comunidade ou nação, eventualmente, isto ressoou em toda a família humana, potencializando a função da consciência e elevando a qualidade de vida para todos.

Entre as conquistas dos últimos séculos estão a abolição da escravatura e a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Claro que é verdade que a escravidão ou o seu equivalente moderno vergonhosamente ainda existe nas formas de trabalho forçado e dependente, tráfico de pessoas, exploração sexual, entre outros. Estes fatos e similares são muitas vezes usados para argumentar que o progresso humano é uma ficção. No entanto, uma visão mais equilibrada vê que, apesar do fato de que o trabalho dos abolicionistas ainda não está completo, tem havido uma mudança fundamental na opinião dentro da humanidade com o que é certo e apropriado, e agora existe uma infinidade de grupos dedicados e ONGs e agências intergovernamentais trabalhando duro para alcançar a visão da abolição total da escravatura em todas as suas formas. Assim, progredimos em 200 anos de um estado geral de consciência em que a escravidão era considerada como natural e legal (e um negócio de grandes lucros!) a outra que pudesse formular e dar o seu consentimento para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em cujos 30 artigos, o quarto afirma: "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas."

É alentador que a mesma história pode ser encontrada em todas as áreas da necessidade humana, por exemplo, o progresso realizado no sufrágio universal, a ênfase na liberdade humana, a manifestação crescente da igualdade de sexo, a proibição da tortura e a abolição do trabalho infantil, embora estes últimos dois permanecem tristemente difundidos. A própria existência das Nações Unidas, nascida do imenso sofrimento associado com a 2ª Guerra Mundial, é testemunho do fato de que as pessoas em todo o mundo - a Carta das Nações Unidas começa com as palavras "Nós, os povos das Nações Unidas" – têm entendido a universalidade tanto do sofrimento humano como da empatia e compaixão humanas, e estão agindo para curar as mágoas do passado e criar um caminho para o futuro que levará todas as pessoas, não apenas alguns, para uma vida melhor. Visto dessa perspectiva os vários instrumentos, cartas e tratados criados pela ONU e ratificados pela maioria dos países do mundo são um testemunho maravilhoso para a ascendência gradual desse aspecto mais profundo da natureza humana que se caracteriza pelo amor, bondade, gentileza e uso criativo da mente.

Vejamos em detalhes algumas das áreas dentro da vida da humanidade, que tiveram especial atenção, especialmente na segunda metade do século passado, e ver se há sinais de uma nova visão, valores emergentes e verdadeiro progresso.

AS CRIANÇAS DO MUNDO

Tem sido dito que uma boa maneira de julgar uma civilização é investigando como ela trata as suas minorias, especialmente as suas crianças. Esta parte mais vulnerável da humanidade tem sido muitas vezes brutalizada e explorada e a muitos milhões de crianças têm sido negado a possibilidade de realizar seu pleno potencial como seres humanos. Existem razões complexas para isso - psicológica, social, econômica, política e religiosa - mas a raiz é o fracasso da humanidade para estar à altura de um senso de responsabilidade. No entanto tudo isso vem mudando. Vejamos algumas características desta mudança.

Trabalho Infantil

Muitas culturas, especialmente as rurais, consideram as crianças como membros essenciais da força de trabalho. Logo que uma criança puder andar, ele ou ela pode ajudar a família, por exemplo ir buscar água ou combustível, ou cuidar de animais de pasto. No entanto, a revolução industrial transformou esta situação relativamente benigna em uma exploração institucionalizada e, muitas vezes, sistematicamente cruel do trabalho infantil. Romancistas do século 19, como Charles Dickens expuseram esta prática terrível e leis foram promulgadas, eventualmente, para proteger as crianças desse tipo de exploração. Com a industrialização de países em desenvolvimento, como está ocorrendo agora, muitas das economias mundiais emergentes estão enfrentando um problema semelhante. O Relatório de Ação Humanitária de 2010 do UNICEF revela: "Estima-se que 158 milhões de crianças com idades entre 5-14 estejam envolvidas em trabalho infantil - um em cada seis crianças no mundo. Milhões de crianças estão envolvidas em situações ou condições de risco, tais como trabalhar em minas, trabalhar com produtos químicos e pesticidas na agricultura ou trabalhar com máquinas perigosas. Elas estão por toda parte, mas invisíveis, trabalhando como empregadas domésticas em casas, por trás das paredes de oficinas, escondidos da vista nas plantações." Esta é uma estatística aterradora de irresponsabilidade coletiva. Mas o fato de que isto é considerado dessa forma indica um enorme progresso na percepção e no senso de responsabilidade humana. E mais uma vez, é um problema em que muitos grupos comprometidos e instituições estão trabalhando para melhorar a situação. Ao mesmo tempo, a estatística também revela que cinco em cada seis crianças não sofrem desta maneira. Isto não é desculpa para a situação dos cerca de 158 milhões de crianças, mas colocam as coisas numa perspectiva mais verdadeira.

Educação

Uma mudança muito importante que tem ocorrido é que a infância é agora considerada como um momento muito especial para a alma encarnada que se desenvolve na idade adulta. Prova disto é a disseminação da educação de massa. Um dos primeiros planos articulados para isso foi no século 17 na Inglaterra, onde um número de radicais da Guerra Civil propôs educação universal até a idade de 18 anos para meninos e meninas, com “asilos literários" para crianças pobres. Cem anos mais tarde o governo Revolucionário Francês autorizou um sistema de educação universal financiado pelo Estado até a idade de dezoito anos, embora nunca tenha sido implementado. No entanto, o século 20 viu a instituição completa da educação primária e secundária obrigatória em todos os países desenvolvidos com o ensino superior agora sendo a norma. Isso representa um aumento enorme no número de pessoas que estão aprendendo a pensar por si mesmos - um dos objetivos importantes de toda a educação.

E hoje, a segunda das Metas do Desenvolvimento do Milênio consagra a visão da humanidade que, até 2015, toda criança no mundo terá acesso à educação primária. Embora seja evidente que esta meta não será plenamente atingida no prazo proposto, progressos consideráveis já foram feitos. O foco internacional nos esforços para alcançar a Metas de Desenvolvimento do Milênio fez com que muitos países em desenvolvimento, com a ajuda de várias ONGs e da comunidade internacional, têm sido capazes de implementar programas educacionais que de outra forma provavelmente não teria acontecido. Por exemplo, no Leste da Ásia e região do Pacífico, Fiji, Indonésia, Quiribati, Malásia, Ilhas Marshall, Mongólia, Palau, Samoa, Tailândia, Tonga e Vietnam já alcançaram a meta de educação primária universal, embora o progresso em alcançar a paridade sexual nas escolas primárias tenha sido mais lento.

Como poderia suspeitar-se, os países da África subsaariana têm muito que percorrer. Neste contexto, o economista Dr. Jeffrey Sachs fez alguns comentários interessantes sobre a África e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em um artigo no The Guardian (23 de setembro de 2010). "Há sérias razões para se preocupar com o êxito da realização dos objetivos até 2015. A África é golpeada pelas populações crescentes, e as mudanças climáticas poderiam ainda fazer dos planos bem preparados um trágico arremedo. No entanto, a batalha principal não pode ser técnica, mas ética. O mundo está vivendo uma crise moral, em que nossas sociedades estão lutando para se adaptar às novas realidades da globalização. ... Uma época em que deveríamos estar comemorando a nossa riqueza e produtividade sem precedentes tornou-se uma era de medo e até mesmo repugnante, quando os valores básicos de solidariedade social, compaixão, socorro para os pobres e responsabilidade mútua estão sob ameaça sem precedentes. É ainda mais notável e importante que as Metas do Milênio ainda atraiam o nosso foco, como uma inspiração, desafio, e como um lembrete de nossa humanidade comum e responsabilidade partilhada. Elas ainda podem salvar a todos nós, ricos e pobres juntos."

Talvez uma anedota de Inglaterra do século 18 pode servir como uma ilustração de quão longe chegamos em nossa atitude para com as crianças. Mary Wooton foi colocada como empregada doméstica para a Sra. John Easton. Infelizmente as duas não se deram bem e depois de algumas semanas a empregada fugiu levando com ela 27 dos guinéus da senhora - uma grande soma naqueles dias. A empregada foi finalmente capturada, julgada por roubo, condenada e enforcada. Mas a verdadeira tragédia da história é sua idade, ela tinha apenas nove anos de idade.

É impensável que tal evento deva ocorrer em qualquer lugar do mundo civilizado nos dias de hoje. De fato, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 proíbe expressamente a pena de morte para as crianças. Esta convenção representa um marco no desenvolvimento do caminho no qual a humanidade valoriza suas crianças que não devem mais ser consideradas como posse ou bem móvel. Na verdade, afirma que todas as crianças têm direitos básicos, incluindo o direito à vida, um nome e identidade, e o direito a ser criada por seus pais dentro de um agrupamento familiar ou cultural. As crianças têm o direito de expressar suas opiniões e serem ouvidas. Devem ser protegidas do abuso ou exploração, e ter sua privacidade respeitada. Esta convenção exige que os países atuem "no melhor interesse da criança", e já foi ratificada por todos, exceto por dois países no mundo.

GLOBALIZAÇÃO, FINANÇAS E EMPREGO

O tema do trabalho infantil nos leva a considerar toda a questão da relação de dinheiro, emprego, as necessidades humanas e a rápida tendência para a globalização. Desde 1945, a expansão das empresas nacionais em corporações transnacionais tem levado ao fenômeno de grandes impérios de negócios globais abrindo caminho para posições de poder supremo, comprando políticos, promovendo a corrupção ou derrubada de governos e, em todos os lugares, sacrificando o bem-estar da humanidade e o ambiente natural no altar do lucro da empresa. A lógica financeira determina que as matérias primas sejam adquiridas a partir de fontes mais baratas, transformadas assim em mercadorias de qualquer tipo com mão de obra mais barata (muitas vezes das crianças, como já notamos) e nos países que impõem menos regulamentação e carga tributária. Os artigos acabados são então exportados para países ricos, onde podem ser vendidos pela maior quantidade de dinheiro possível. A lógica financeira também determina que o sistema só pode funcionar com mais e mais pessoas consumindo mais bens e mais e mais frequentemente, tudo alimentado por uma tecnologia de combustível fóssil que irá muito em breve ficar sem fontes baratas de energia. Este é claramente um caminho absolutamente insustentável, apesar de o mundo corporativo e o governo estarem fazendo o melhor para "deixar as coisas como estão".

O desenvolvimento das corretas relações humanas no mundo, para que as necessidades legítimas de todos possam ser satisfeitas, exige que esse sistema econômico dominante de exploração dos recursos naturais e humanos para satisfazer a ganância institucional chegue a um fim. Como Gandhi observou memoravelmente, a Terra tem o suficiente para as necessidades de todos, mas não para a ganância de todos.

Felizmente, em vários momentos no passado a instabilidade inerente ao sistema, precipitou uma série de grandes crises financeiras como avisos simbólicos para a humanidade. A crise de 2008 se transformou em uma verificação da realidade extraordinariamente poderosa e concentrou a mente da humanidade de um modo significativo e criativo. Deu um impulso enorme para o número crescente de pessoas e grupos que estão a refletir profundamente sobre o dinheiro e o que ele realmente representa, sobre a necessidade de criar um sistema que possa suprir as necessidades materiais genuínas da população do mundo e fazer isso de uma maneira que não só seja sustentável no longo prazo, mas também benéfico para todas as formas de vida no planeta. Um fator chave na implementação desta visão é que o dinheiro deve deixar de ser um meio de autoengrandecimento para se tornar uma fonte viva de energia que permita vincular todos os seres humanos numa rede mutuamente criativa e solidária de visão e da empresa.

O economista e autor David Korten tem escrito com muita perspicácia sobre o dinheiro, o trabalho e a relação da humanidade com a biosfera. Ele afirma: "Os valores e as instituições do século 20, que nos levaram imprudentemente a desperdiçar a abundância da Terra para o benefício de poucos, foram moldados por uma mentalidade econômica que reduz todos os valores a valores financeiros e todos os intercâmbios humanos a transações financeiras para obter ganhos financeiros particulares. Essa mentalidade nos deu o colapso dos sistemas ambientais, a desigualdade inconcebível, e o controle por corporações globais que operam fora do alcance da responsabilidade democrática." Em contraste, ele diz: "A verdadeira riqueza tem um valor intrínseco: terra, trabalho, comida e conhecimento são alguns exemplos. A mais valiosa de todas as formas de riqueza são aquelas que estão além do preço: o amor; uma criança saudável e feliz; um trabalho que proporcione uma sensação de autoestima e contribuição; membros de uma comunidade forte e assistencial; uma alimentação saudável, ambiente natural e vibrante; paz".

Outra vertente de pensamento, neste quadro emergente é incorporada em um livro publicado recentemente, O Nível do Espírito, pelos Professores Richard Wilkinson e Kate Pickett, que confronta a questão do alargamento do fosso entre ricos e pobres, tanto dentro dos países quanto na humanidade como um todo. Eles escrevem: "A grande desigualdade é o flagelo das sociedades modernas. Fornecemos a evidência em cada um dos onze diferentes problemas sociais e de saúde: saúde física, saúde mental, abuso de drogas, educação, prisão, obesidade, mobilidade social, confiança e vida comunitária, violência, nascimentos entre adolescentes, e bem-estar infantil. Para todos os onze desses problemas sociais e de saúde, os resultados são muito substancialmente piores em sociedades mais desiguais." Os trinta anos de pesquisa deles mostram que "nos países ricos, a menor distância entre ricos e pobres significa uma população mais feliz, mais saudável e mais bem sucedida." Como exemplo eles olham para o que significaria se na Grã-Bretanha houvesse mais igualdade. A evidência sugere que se a desigualdade fosse reduzida pela metade na Grã-Bretanha, em seguida, "as taxas de assassinato seria reduzida pela metade, a doença mental seria reduzida em dois terços, a obesidade poderia reduzir pela metade, a prisão poderia reduzir em 80%, os nascimentos adolescente reduziriam em 80%, os níveis de confiança aumentariam em 85%. Não são apenas as pessoas pobres que se beneficiariam. A evidência sugere que todas as pessoas se beneficiariam, embora seja verdade que os mais pobres se beneficiariam mais." Até agora, o argumento contra a crescente desigualdade de riqueza tem sido em grande parte uma questão moral. Mas agora é possível produzir números validados por pesquisas e estatísticas, provando o que sabemos que espiritualmente é verdade, que a partilha e a igualdade na sociedade não são apenas melhores para todos, mas essencial para o futuro.

Há muitos grupos trabalhando atualmente no sentido de desenvolver maneiras de ajudar a humanidade a fazer o que é chamado de "grande transição" para um sistema completamente novo. A New Economics Foundation produziu um livro com o título Nova Economia. Na introdução o seu Diretor Executivo, Stewart Wallis escreve: "A humanidade aparece presa numa armadilha sem saída. "Deixar as coisas como estão" não é mais uma opção. No entanto, deter e reverter o nosso consumo de mais e mais "coisas" parece susceptível de desencadear uma depressão enorme, com elevado nível de desemprego e pobreza. Isto é certamente verdadeiro se tudo o que fizermos é "aplicar os freios", sem fundamentalmente redesenhar todo o sistema econômico. Estamos enfrentando uma série de problemas sistêmicos interligados - consumindo além dos nossos limites planetários; desigualdade insustentável; crescente instabilidade econômica e um colapso na relação entre "mais" e "melhor". A única maneira de superar esses problemas sistêmicos é através de um conjunto de soluções que se dirigissem a todos ... Nós esperamos mostrar com este relatório que é possível vislumbrar uma sociedade justa, onde a boa vida não tem custo para a Terra, e identificar as alavancas de mudança que precisam ser acionadas para iniciar a viagem a esta sociedade. Um futuro diferente não é apenas necessário, também é possível." A importância do consumo financeiro e material da humanidade está sendo amplamente articulada e representa uma concentração global da mente humana de uma forma sem precedentes devido à constatação de quão rapidamente nós precisamos fazer as mudanças necessárias. Como David Korten expressa: "Nós, seres humanos, temos um breve período de oportunidade para fazer a passagem de uma Era de 5000 anos de Império, caracterizada pela dominação violenta, para uma Era de Comunidade da Terra, caracterizada pela parceria pacífica. Esta passagem para um novo nível de maturidade do gênero humano promete uma vida mais segura e satisfatória para todos. A escolha é nossa."

AS RELIGIÕES DO MUNDO

Isto traz-nos perfeitamente ao mundo da religião, onde são consagrados os valores espirituais que governam - ou deveriam governar - as nossas escolhas. Muitas pessoas atenciosas encontram dificuldades na sua relação com o mundo das várias religiões institucionais. Por um lado há um senso intuitivo de que todas as grandes religiões do mundo, bem como as muitas expressões maravilhosas da espiritualidade indígena, incorporam expressões perenes de grande verdade e beleza. São como joias brilhando na mente e no coração da humanidade, ajudando a elevar-nos para o caminho do amor e do serviço desinteressado. Por outro lado há também uma percepção de que muitas vezes as formas das religiões podem cristalizar-se em cascas mortas que obscurecem a luz interior que elas supostamente deveriam transmitir a uma humanidade carente. Quando isso acontece, então há a tendência para uma tolerância de coração aberto e alegria para dar lugar a uma posição mais fanática que vê apenas uma religião em particular como verdadeira e correta e, por definição, todas as outras como inúteis, ou pior ainda, como instrumentos do diabo!

Esta é uma das razões para o fenômeno atual do fundamentalismo religioso agressivo cuja intolerância agora está fluindo na consciência dos povos através dos muitos meios de comunicação de massa do planeta, afetando negativamente as relações em todo o mundo. Curiosamente, vemos um paralelo a isso na nova marca de um ateísmo igualmente intolerante. Juntos, esses dois têm ajudado a precipitar o atual "Deus Existe?", debate caracterizado nessas circunstâncias por intercâmbio de megafones entre protagonistas surdos. Enquanto muitos podem lamentar este confronto improdutivo, precisamos reconhecer que ele ajudou a desencadear uma grande corrente de investigação sensível e reflexiva sobre a natureza da realidade e do lugar do sagrado, como as prateleiras em qualquer boa loja de livro pode demonstrar. Devemos ser gratos porque este debate está permitindo que as pessoas em todo o mundo questionem suas atitudes para com a religião, descarte más interpretações, supersticiosas e fascinantes, dos textos sagrados e escrituras e embarquem numa peregrinação de investigação, de amor e de sacrifício que nos levará a uma maior experiência e compreensão da verdade.

Em particular, não devemos permitir que a voz estridente do fundamentalismo impeça os passos tranquilos do progresso dados pelos adeptos reflexivos de todas as fés do mundo para encontrar um terreno comum, valores compartilhados e, cada vez mais nos dias de hoje, o culto compartilhado. Enquanto a maioria das pessoas pode pensar que o entendimento inter-religioso é um fenômeno recente, na realidade tem uma história impressionante que atesta a eterna e crescente busca da humanidade pela verdade e retidão. Na Grécia, no século 6 aC, Xenófanes trabalhou em uma filosofia de crenças religiosas. No século 12 Córdoba, na Espanha foi um exemplo raro de tolerância religiosa num período que normalmente associamos com sangrentas guerras religiosas e cruzadas. Aqui a interação cooperativa de estudiosos judeus, islâmicos e cristãos facilitou a redescoberta dos discursos clássicos gregos e latinos sobre ciência e filosofia que levou diretamente para o Renascimento europeu. Mais perto do nosso próprio tempo, no século 17, Lorde Herbert de Cherbury escreveu De Religione Gentilium em que ele propôs cinco fatores que eram comuns a todas as religiões: a crença em Deus, o dever de reverenciar a Deus; a identificação de culto com a moral prática; a obrigação de se arrepender do pecado e abandoná-lo; recompensa divina neste mundo e no próximo. Também no século 17, teólogos jesuítas na China fizeram estudos comparativos, por exemplo, a semelhança entre o Tao da filosofia chinesa e o conceito cristão do Logos encarnado ou Verbo Divino. De maneira semelhante, no final do século 18, as escolas missionárias em Calcutá compararam a Bíblia cristã com textos sagrados da Índia.

A consolidação dos impérios europeus em todo o mundo no século 19 levou inevitavelmente a uma intercambiada fertilização cultural que preparou o terreno para um aprofundamento da vida religiosa da humanidade, marcadamente no trabalho dos orientalistas e dos vários movimentos teosóficos com o seu lema de "não há religião superior à Verdade". Um resultado importante dessa tendência foi o Parlamento Mundial das Religiões 1893, em Chicago. Isso representou um grande passo a frente na promoção do diálogo religioso, de tolerância e compreensão. Pela primeira vez, expoentes das religiões do mundo se reuniram num espírito de diálogo e vontade de aprender uns com os outros. Este foi um evento inovador e, como seria de esperar, houve muitas vozes estridentes levantadas contra ele. Mas como um dos participantes, o Ven. Dr. Philip Schaff, observou na época: "A ideia deste parlamento vai sobreviver a todas as críticas. Os críticos vão morrer, mas a causa permanecerá." De fato a causa permaneceu e o Parlamento Mundial continua a convocar e fazer um trabalho valioso.

Desde o final do século 19, em termos gerais, as religiões do mundo parecem ter dividido em dois campos. Por um lado há o campo conservador que vê a última palavra da verdade revelada consagrada no texto de suas escrituras particulares, e por outro lado, um grupo progressista que vê a experiência religiosa como uma viagem de exploração, uma abertura do coração, um alargamento dos horizontes da mente, e um cultivo de uma abertura para a verdade onde quer que seja encontrada. Esta ideia é muito bem incorporada no trabalho da vida do Dalai Lama, que disse: "No nível de um praticante religioso, o meu compromisso ... é a promoção da harmonia religiosa e entendimento entre diferentes tradições religiosas. Apesar das diferenças filosóficas, todas as grandes religiões do mundo têm o mesmo potencial para criar seres humanos melhores. Portanto, é importante que todas as tradições religiosas respeitem uns aos outros e reconheçam o valor de suas respectivas tradições."

Uma visão mais radical é encontrada no livro de Matthew Fox A Vinda do Cristo Cósmico. Isto exige um novo ecumenismo profundo envolvendo a participação de pessoas de todas as fés do mundo. Ele escreve: "Ecumenismo profundo é o movimento que irá desencadear a sabedoria de todas as religiões do mundo - o Hinduísmo e o Budismo, Islamismo e Judaísmo, Taoismo e Xintoísmo, o Cristianismo em todas as suas formas, as religiões indígenas e as religiões das Deusas em todo o mundo." Um dos efeitos desse tipo de encontro criativo é um renovado compromisso das religiões para servir a humanidade e o mundo num espírito de humildade, em vez de proselitismo arrogante.

Um exemplo disso foi, em 1986, quando o Fundo Mundial para a Natureza festejou o seu 25º aniversário, em Assis, a casa de São Francisco, o santo cristão famoso por seu compromisso com a pacificação e com o mundo natural. Parte dessas celebrações envolveu os líderes de seis das principais religiões do mundo proclamando os deveres de seus adeptos para proteger, cuidar e cultivar o meio ambiente natural. Assim, "a interligação de preocupações religiosas e ambientais foi reconhecida, juntamente com a importância fundamental de todas as tradições de salvaguardar o planeta como uma herança comum." Explicitamente reconheceu, também, um novo e profundo respeito mútuo entre as religiões. Nas palavras do Padre Lanfranco Serrini na abertura da cerimônia: "Estamos convencidos do valor inestimável de nossas respectivas tradições e daquilo que elas podem oferecer para restabelecer a harmonia ecológica, mas, ao mesmo tempo, somos humildes o suficiente para o desejo de aprender uns com os outros. A riqueza de nossa diversidade dá força para a nossa preocupação comum e de responsabilidade para com o nosso Planeta Terra."

A RELAÇÃO DA HUMANIDADE COM O MEIO AMBIENTE

A celebração do Fundo Mundial para a Natureza em Assis nos leva a considerar, de forma adequada e mais profundamente, a relação da humanidade com o crescente sentimento de responsabilidade com o ambiente natural. Um sinal de enormes progressos no desenvolvimento humano é o fato de que isto é agora quase universalmente reconhecido como de importância crucial, tanto para o imediato como para o futuro de longo prazo. Muito tem sido escrito sobre este assunto nos últimos anos destacando a dependência absoluta da humanidade pelo meio ambiente para o abastecimento, não só de todas as necessidades físicas da vida, mas também, e igualmente importante para uma sensação de beleza e maravilha para nutrir o espírito humano. Este reconhecimento já é um melhor e convincente cuidado para o uso dos recursos do mundo.

Mas uma segunda vertente de pensamento surgiu nas últimas décadas, sinalizando uma mudança de consciência que é de importância ainda maior para o progresso humano, à medida que começamos a nos afastar do centro de proeminência e começamos a perceber que todas as formas de vida têm um intrínseco direito de existir. Esta mudança de consciência será tão profunda como a revolução copernicana, que revelou o Sol ser o centro do sistema solar - e não a Terra. Estamos no estágio inicial no momento. No entanto, a Carta das Nações Unidas de 1982 para a Natureza afirmou que, "Toda forma de vida é única, garantindo-lhe o respeito independentemente de sua utilidade para o homem." Aspectos desta atitude foram bem articulados por pensadores como Rachel Carson em seu livro Primavera Silenciosa de 1962, e por Peter Singer em seu inovador livro A Libertação Animal, e muitos livros subsequentes e ensaios filosóficos, que argumentam convincentemente que os animais têm direitos intrínsecos similares a existir e se desenvolver como a humanidade.

Esta atitude traz ecos de desenvolvimento no momento da iluminação de Buda, quando ele viu com clareza requintada a dor do inseto devorado por um predador, e prometeu que ele iria ficar com a humanidade até que todos os seres sencientes - e não apenas os humanos - tivessem alcançado o nirvana. Isto está, de fato, muito longe da posição da humanidade padrão normal de que o meio ambiente e todas as vidas não humanas que existem nele, estão ali para exploração livre, sem moral, sem consequências sociais ou mesmo ambientais. Como observamos nos parágrafos introdutórios deste comentário, tal atitude, de fato, convida-nos a consequências em todas as três áreas. Isso é algo que agora estamos despertando, e se não agirmos de acordo com esse entendimento agora, as consequências serão desastrosas.

Rachel Carson observou que, "Nós estamos agora onde duas estradas se bifurcam. Mas, ao contrário das estradas no familiar poema de Robert Frost, elas não são igualmente justas. A estrada que estamos há muito tempo viajando é enganosamente fácil, uma autoestrada lisa em que progredimos com grande velocidade, mas em sua extremidade encontra-se o desastre. A outra bifurcação da estrada - a "menos percorrida" - oferece a nossa última, nossa única chance para alcançar um destino que assegure a preservação da terra." Nas décadas desde que ela escreveu isso, muitos grupos de liderança dentro da humanidade não só reconheceram a verdade dessa afirmação, mas estão ancorando-a como uma visão de maneira prática que teria sido impensável no passado. Este é mais um exemplo de que a humanidade começa a estar à altura do crescente senso de responsabilidade não apenas para a humanidade, mas desta vez para todas as formas de vida. Vemos nisto uma indicação de que a humanidade está começando a manifestar o seu destino planetário como a nutridora e portadora de luz para todos os reinos da natureza.

A UNIDADE HUMANA

Existem muitas outras áreas de crise humana e progresso real que pudesse recompensar generosamente a nossa investigação, mas juntos eles iriam esticar o que está destinado a ser um simples comentário em um longo livro. No entanto, há um último aspecto do desenvolvimento humano contemporâneo, que é essencial a considerar e que é o impulso incrível para o entendimento humano, de relacionamento, integração e unidade incipiente que está sendo expresso e gerado por meio da tecnologia digital e da Internet.

Para o olhar exterior, o fenômeno da comunicação global instantânea, que é o que a Internet é, foi gerada e impulsionada pela tecnologia. Mesmo que isso fosse a única realidade causal por trás dela, ainda seria um feito notável. Mas para o olhar interior a causa precipitante é a emergência da unidade da humanidade na consciência. Meio século atrás, e mais, o nacionalismo e as fronteiras nacionais definiam muito da consciência humana. A comunicação internacional era feita pela velha infraestrutura postal e telegráfica, ou por um complicado sistema de telefone manualmente operado, onde as chamadas de longa distância que eram muito caras e tinham que ser reservadas através de vários intercâmbios internacionais com vários dias de antecedência. Agora a consciência é cada vez mais global e a Internet está rapidamente se tornando universalmente disponível para corresponder a isso. Conversas, todas as formas de comunicação, informação, áudio e vídeo, arquivos, transações financeiras - todo o espectro da vida moderna - são palpitantes através do mundo como pulsos de luz através da rede global de cabo de fibra óptica que agora, como um novo sistema nervoso, sustenta todas as relações humanas. A importância que agora é a luz que é o transmissor de tudo isso não vai escapar de qualquer pessoa com um grau de entendimento espiritual.

No clique de um mouse no Skype, podemos falar com os colegas do outro lado do mundo num instante sem nenhum custo que não seja a nossa taxa de conexão mensal à Internet. A soma total do conhecimento e da experiência humana está gradualmente se tornando disponível para todos que desejam acessá-lo. Todos os eventos dentro da família humana - as revoluções, as guerras, os desastres naturais, os esforços humanitários de resgate e salvamento, os eventos esportivos, as realizações artísticas - são postados na web como eles acontecem, ignorando a censura do governo e os preconceitos dos tradicionais meios de comunicação.

A Internet é realmente um maravilhoso espelho "que fala toda a verdade" do nosso atual estado de consciência. Nele podemos ver o pior a que a humanidade se rebaixou, lado a lado com o melhor de grandes conquistas da humanidade. Como todas as invenções humanas seu uso reflete o amplo espectro de valores e motivos que caracterizam a humanidade na atualidade. Será que vai ser predominantemente utilizada para promover a compreensão e a unidade humana, ou será que as forças que buscam semear o ódio e a desunião levarão vantagem? Esta é uma questão importante. Mas a natureza anárquica da web é sem dúvida estimulante, tanto para o senso de relacionamento humano como para um crescente sentimento de capacitação. Tem sido dito que a próxima superpotência será a opinião pública mundial. A Internet é hoje o meio e o facilitador da opinião pública mundial.

Bem utilizada pode se tornar uma grande agência de nivelamento para toda a humanidade, na verdade já é. É um meio para a democracia mundial que é mais poderoso do que qualquer ideologia ou poder militar. É o meio pelo qual podemos "derrubar os poderosos de seu assento, e exaltar os humildes e mansos", para usar uma das passagens mais inspiradoras e revolucionárias da Bíblia Cristã, e também para remontar aos comentários sobre as profundas mudanças necessárias na estrutura financeira do mundo. Esta tecnologia ainda está na sua infância, e o que ela vai nos dar no futuro será uma revelação fascinante. É uma expressão maravilhosa do desdobramento consciente da humanidade.

CONCLUSÃO

Não se requer um dom excepcional de discernimento para perceber que estamos vivendo em tempos extraordinários. Meio século atrás Alice Bailey observou que: "A Humanidade, como um todo, está num estado de turbulência, que antecede um grande passo em direção ao desenvolvimento autoconsciente, e na expressão do senso de responsabilidade que é a primeira flor e fruto da percepção autoconsciente." (Astrologia Esotérica p.162)

Ao nosso redor e dentro de nós as tensões do nosso período atual estão trazendo insistentemente para a superfície todas as muitas qualidades, boas e más, que a humanidade tem desenvolvido ao longo dos milênios de sua existência. Eles também são destaque de uma colisão de ideias sobre a condição humana e o propósito da vida.

De fato, alguns questionam se a vida tem um propósito em tudo! Muitas pessoas lidam com as incertezas insuportáveis que esta situação está produzindo pelo apego às aparentes certezas do passado, como uma pessoa se afogando se agarra a uma palha, sem saber que modelos passados, na melhor das hipóteses, apenas incorporam verdades parciais e muitos estão sendo varridos por entendimentos recentes que são mais apropriados ao atual nível de desenvolvimento alcançado pela humanidade. Outros enterram a cabeça na areia esperando a realidade distante. Outros ainda olham para o futuro com uma atitude se aproximando do desespero, na medida em que reconhecem tanto a imensidão do desafio e da crença de que muito poucos estão dispostos e são capazes de ajudar a humanidade a dar o "gigantesco passo para a alma" que nunca foi dado. No entanto estes poucos são, na realidade, muitos milhões de pessoas em todo o mundo. Eles (podemos dizer 'Nós'?) são de diversas origens e baseiam seus esforços de vida em várias convicções, entre as quais estão as seguintes. Eles sabem que no coração de cada ser humano encontra-se um ponto central de bondade pura e que isso pode ser cultivado em expressão vibrante e criativa. Eles veem que a situação atual é aquela que é realmente o resultado do progresso humano passado, e, apesar de suas enormes dificuldades, é ele que pode alimentar as sementes de um futuro progresso de uma natureza muito mais profunda do que qualquer coisa vista até então, desde que a oportunidade seja aproveitada.

Apesar de todos os horrores do passado e do presente, o massacre, a miséria, a escassez, as crueldades infligidas conscientemente, os genocídios, o egoísmo gratuito e prejudicial, algo surpreendente e extraordinário aconteceu com a humanidade. Durante séculos, sob a superfície - e muito próximo dela - a luz da alma ficou borbulhando, lutando contra enormes chances de encontrar expressão nos assuntos humanos. De certa forma, é a nossa resistência a essa intenção amorosa que tem causado grande parte do sofrimento que experimentamos. Agora, no entanto, está surgindo na realidade exterior da vida da humanidade com uma nota muito mais forte e emitindo uma luz para o mundo de uma forma que nunca aconteceu antes. A fundação da ONU, os triunfos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração mais recente sobre os Direitos da Criança, as maravilhas da investigação científica, o reconhecimento generalizado da necessidade de tolerância e cooperação, o desejo de curar o corpo ferido da humanidade, o profundo compromisso da comunidade internacional para com as crianças do mundo, os maravilhosos desenvolvimentos nas artes, o reconhecimento da necessidade de uma forma completamente nova de considerar o dinheiro e bens materiais, tudo isso indica profundo e real progresso humano. Mais uma prova é revelada na expressão crescente de compaixão e generosidade espontânea para com as pessoas do outro lado do mundo, quando acontecem desastres naturais ou produzidos pelo homem, por exemplo, no rescaldo dos ataques de 2001 contra o World Trade Center em Nova York e o tsunami de 2004 no Sudeste Asiático.

Mas a humanidade está num momento crítico, e a urgência é para que todas as pessoas de boa vontade renovem seus esforços para pensar e agir agora de maneira certa. Caso contrário há um risco real de que todo o progresso da nossa vida planetária direcionada para um estado de expressão em que uma humanidade conscientemente amorosa e servidora irradie as energias da alma em todo o mundo material, que em essência é o destino do nosso mundo, retroceda por séculos, se a nossa atual civilização perecer sob o peso intenso do egoísmo institucionalizado e estreiteza de visão.

Se quisermos que a alma controle a forma externa, a vida e todos os eventos, e traga à luz o amor que está por trás dos acontecimentos da época, a Humanidade tem de aceitar a sua responsabilidade coletiva espiritual e, portanto, o verdadeiro progresso, percebendo que o progresso espiritual não é uma conquista abstrata de uma torre de marfim; tem que ser feito no mundo cotidiano da vida física - na verdade, sua única evidência é a aplicação prática no serviço. Esta é a arena na qual todas as pessoas de boa vontade podem e devem trabalhar. Portanto, é na ação e na verdade que teremos ajudado "o homem a tornar-se homem".

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