Sonho e Analogia Manifestada

Ghislaine de Reydet (Fórum “O Poder Criativo da Desilusão”)

Não é surpreendente falar de sonho quando o tema deste encontro inclui a palavra desilusão? Que erro! Equivoquei-me de reunião?

O pensamento concreto, que é apenas uma parcela da nossa capacidade de pensar, gosta de classificar, de etiquetar, de coletar grandes espécies e, certamente seria mais simples – mas também demasiado cômodo – se como seres humanos pudéssemos nos referir somente a esta classificação para viver. Então, sem dúvida, não experimentaríamos a necessidade de nos reunir como fazemos hoje, não somente aqui em Genebra, mas pensem também em Nova York e Londres.

Não levando em conta a ilusão, que poderia o sonho nos causar? Talvez uma expansão de consciência que conduzisse à revelação e à iluminação. No “Tratado sobre o Fogo Cósmico” encontramos, a propósito do olho de Shiva, a existência de três grupos cósmicos recolhendo as qualidades essenciais para utilizar o olho de maneira sempre inovadora. Entre estes grupos, o segundo é chamado “os Senhores do Loto interno” que dormem, embora não muito profundamente, mas estão suficientemente despertos para não se extraviarem e ultrapassar o “círculo não se passa” secreto que circunda a grande Ilusão. Permanecem inflexíveis, e por Sua própria firmeza as formas se mantêm unidas.

O olho pelo qual os Senhores do Loto observam a grande Ilusão se dirige para cima. Só veem aquilo que está justamente acima Deles, olham para o enorme cume da montanha que perfura a roda que a circunda. O cume da montanha brilha com luz radiante.

O terceiro grupo é misterioso permitindo que o último aspecto do olho de Shiva se dirija aos dois aspectos precedentes acrescentando a energia extraída de uma esfera cósmica muito distante para tecer, ao longo do Caminho, uma tríplice força vital firmada no triângulo constituído por estes grupos; uma triplicidade que saberá responder às necessidades dos buscadores que, por sua vez, trilharão posteriormente este caminho. Diz-se que estes grupos podem ver, ouvir, sonhar e, sonhando, construir:

“O olho pelo qual os Senhores do Loto contempla o Caminho cósmico se dirige para fora. Seu matiz é o índigo. O olho pelo qual o grupo do meio dos Senhores do Loto olha é de cor azul turquesa, enquanto que os Senhores do sono profundo e imóvel contemplam através da cor azul safira. Assim o CAMINHO de tríplice cor azul se transforma em um” (pág. 992-993)

Esta maneira de olhar assim para o alto, mantendo os pés na terra, pode ser um incentivo apreciável enquanto se atravessa uma crise, e este é o caso durante uma desilusão. Na crista da onda, aquelas e aqueles que estão alinhados com o seu “anjo” são receptivos e recebem a impressão dos planos superiores. A magia que atua é o resultado das vibrações solares e não de impulsos emanados do pequeno eu. Recolhidos internamente numa meditação rítmica, nos é possível captar “impulsos” mais sutis, entre outros, através de meditações, sonhos ou aspirações. A alma respira e sua forma vive. A qualidade dos sonhos dependerá de que sejamos levados por uma crescente maré de energia da alma, ou seja, que atravessemos uma quietude temporária, preparatória para um impulso e um esforço maiores. Então, nossa função será nos reforçar e nos estabilizar, nos capacitando para “permanecer no ser espiritual” e, para trabalhar espiritualmente, temos de encontrar a direção correta e a correta utilização da energia a fim de que, sabiamente, possamos prestar um serviço precioso e fecundo. Como procurar elevar a vibração sem cessar – efeito da atividade divina – em resposta ao som e à luz, provocando então uma reação apropriada na matéria? A formação do caráter (formação educativa na base de toda integração social), a intenção justa (vigilância em tonificar – em começar por si mesmo), a meditação (trabalho rítmico contínuo), o serviço (compromisso profundo) são pilares essenciais.

Os ideais devem ser constantemente transcendidos para se converterem apenas em símbolos no caminho, os quais oferecem a possibilidade de compreender e integrar idéias mais amplas. As visões percebidas são substituídas por outras e os sonhos concebidos se realizam para serem abandonados, senão, há risco de estagnação, ou seja: de cristalização, que freia o desenvolvimento do serviço a ser oferecido à totalidade. Em cada um de nós a alma mobiliza o seu ardor a fim de apresentar uma liberação de corrente espiritual sob a forma de uma determinação que, graças a um trabalho interno sem trégua, poderá, a seguir, se manifestar na vida cotidiana. De fato, a desilusão requer uma mudança, uma vibração mais sutil: para isso convém agir antecipadamente e não se abater arruinando o corpo e a alma.

A antecipação dos tempos de transição deve ser prévia a toda mudança. Quando a identificação do problema não é clara, como pensar em poder dispor de uma análise da necessidade estratégica e ser capaz de escolher a melhor?

Convém, pois, acompanhar as transições que desvelam a desilusão e que em geral se assemelham a um processo de duelo seguindo quatro fases:

1- Choque e negação.
2- Ira e reajuste.
3- Depressão.
4- Aceitação e Reestruturação.

Frequentemente a desilusão faz temer a perda de sentido, de identidade, uma completa desorientação e perguntas provocadas em geral pelas três fases inerentes a toda transição:

1 – O final do que era familiar mas que já não existe, posto que já não tem razão de ser. Deve aceitar-se que o modo de atuar foi superado, acabou;

2 – A “terra de ninguém” ou deserto antes que a nova realidade chegue a ser evidente. De certo modo é como uma zona neutra que induz um sentimento de perda de referências mas que, bem manejada, pode ser um tempo de criatividade para o serviço;

3 – O novo ponto de partida que naturalmente suscita diferentes freios que podem obstruir a corrente de energia disponível a partir de agora.

As enriquecedoras travessias do deserto, ou seja, da “zona neutra” não devem ser escamoteadas nem durar demasiado tempo. As novas mudanças não devem se agregar umas às outras mas sim que as mudanças precedentes tenham sido eliminadas, se não desejamos que os efeitos da mudança se cristalizem em graus inapropriados antes mesmo da aquisição de novas aptidões ou vivências.

Vemos que o potencial criador da desilusão no serviço de grupo na realidade é um processo contínuo de aprendizagem que não é linear, mas que vai planejando todas as etapas para que elas se desenvolvam harmoniosamente e para que cada elemento previsto caia no momento adequado. É como numa escalada em que não somente deve se preocupar em cravar bem os grampos de cada um dos segmentos da corda no penhasco, mas também cuidar bem daquelas e daqueles que vêm depois (e que portanto dependem dos que os precedem e do seu juízo ou discernimento) possam tornar fácil, ao seu ritmo, as etapas que conduzirão à totalidade da corda acima citada. Não se exclui que o primeiro da corda deva voltar a descer para estender a mão a quem ainda não tem segurança do escalador experiente, animando-o ou detendo-o, e recordando-lhe o que o espera no final do trajeto para que recupere a estima antes de dar um passo delicado.

Em termos organizacionais, trate-se de uma empresa, uma instituição, uma nação, ou um conjunto de nações como a Europa ou as Nações Unidas, a conduta da mudança deve se apoiar num clima de confiança que é o ponto focal do grupo, tendo como responsabilidade iniciar, construir e alimentar, mas para isto tem de haver uma interação de profunda lealdade. A lealdade não é servilismo para chegar por todos os meios possíveis a um determinado objetivo abrindo caminho a cotoveladas sem escrúpulos, mas que demanda ser suficientemente vibrante para expressar suas legítimas necessidades e, paralelamente, poder ouvir as legítimas necessidades do outro. Então, só pode emergir uma estratégia confiável. Isto demanda uma revolução do pensamento em cada um de nós que deve se conectar com o espírito humano e em cada situação.

Assim os povos, ou seja todos nós, devemos nos inscrever num arrojado processo de aprendizagem, de ajuste constante de valores, a fim de que nosso pensamento permaneça alerto, ágil e adaptável, de que nossa voz seja mais cautelosa a fim de que as necessidades expressadas possam encontrar escuta e depois estratégia de resposta. Esta estratégia de resposta é uma responsabilidade que incumbe a cada um de nós para descobrir como se unir com todos os demais, formando então uma opinião pública mais esclarecida e, a partir deste momento, capaz de inspirar líderes mais liberados das preocupações de curta visão e capazes de conduzir vozes mais unidas durantes as grandes reuniões internacionais.

Se a desilusão que a humanidade inteira atravessa neste momento pudesse levar-nos, todos nós, a aprender um pouco mais o cotidiano e realizar os atos que praticamos com maior presença da alma, então entenderíamos a analogia da realidade.

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