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Livros de Alice Bailey

OS TRABALHOS DE HÉRCULES


O Discípulo Hércules - O Mito

Ele postou-se diante do Mestre. De modo obscuro compreendia que estava vivendo uma crise que conduziria a uma mudança de discurso, de atitude e de plano. O Mestre examinou-o com um olhar de aprovação.

“Teu nome?” perguntou; e aguardou a resposta.

“Herakles”, veio a resposta, “ou Hércules. Dizem que significa a rara glória de Hera, a radiação e o esplendor da alma. Que é a alma, oh Mestre? Dizei-me em verdade.”

“A tua alma, tu a descobrirás enquanto executas tua tarefa, e encontrarás e usarás a natureza que é a tua. Quem são teus pais? Responde, filho.”

“Meu pai é divino. Eu não o conheço, exceto que, no meu íntimo, eu sei que sou seu filho. Minha mãe é terrena. Conheço-a bem, e ela fez de mim isto que vedes. Do mesmo modo, oh Mestre da minha vida, eu sou também um dos gêmeos. Há um outro, como eu. Conheço-o bem, e contudo, não sei quem ele é. Um é da terra, terreno portanto; o outro é um filho de Deus”.

“Hércules, meu filho, que tipo de treinamento tiveste? Que sabes fazer, e como fostes ensinado?”

“Sou competente em tudo; fui bem ensinado, bem treinado, bem guiado e sei fazer qualquer coisa. Conheço todos os livros, todas as artes, e as ciências também; conheço o labor dos campos abertos; além da perícia daqueles que podem viajar e conhecer os homens. Reconheço-me como alguém que pensa, sente e vive.”

“Uma coisa devo dizer-vos, oh Mestre, para não vos enganar: é que, não há muito tempo, eu matei todos aqueles que, no passado, me ensinaram. Matei meus instrutores, e na minha busca pela liberdade, me sinto agora livre. Procuro conhecer-me, dentro de mim e através de mim mesmo.”

Essa foi uma ação sábia, meu filho, e agora estás livre. Começa agora a trabalhar, lembrando-te, ao fazê-lo, que na última volta da roda virá o mistério da morte. Não te esqueças disto. Que idade tens, meu filho?”

“Acabara de fazer dezoito anos quando matei o leão, cuja pele uso desde então. Depois aos vinte e um encontrei minha esposa. Hoje estou aqui diante de vós três vezes liberto - livre dos meus antigos instrutores, livre de medo de ter medo, e realmente livre de todo desejo.”

“Não te gabes, meu filho, mas sim, prova-me a natureza dessa liberdade que tu pressentes. Novamente em Leo, tu encontrarás o leão. Que farás então? De novo em Gêmeos, os instrutores que mataste cruzarão teu caminho. Tê-lo-ás realmente deixado para trás? Que farás? Mais uma vez em Escorpião, lutarás com o desejo. Estarás livre, ou com sua astúcia, a serpente te encontrará e te arrastará para a terra? Que farás? Prepara-te para provar tuas palavras e liberdade. Não te gabes, meu filho, mas prova-me tua liberdade e profundo desejo de servir.”

O Mestre sentou-se em silêncio e Hércules retirou-se e voltou-se para o primeiro grande Portão. Então, Aquele Que Presidia, sentado na Câmara do Conselho do Senhor, dirigiu-se ao Mestre e ordenou-lhe que chamasse os deuses para testemunharem o empenho do novo discípulo, e pô-lo no Caminho. O Mestre chamou-os. Os deuses responderam. Vieram, e ofereceram a Hércules seus presentes e muitas palavras de sábios conselhos, pois conheciam as tarefas que o esperavam e os perigos do Caminho.

Minerva deu-lhe um manto, que ela própria tecera, um fino manto de rara beleza, e que lhe assentou perfeitamente. Hércules vestiu-o, com triunfo e orgulho, exultante em sua juventude. Ele tinha que provar seu valor.

Um peitoral de ouro Vulcano forjara para Hércules, para proteger seu coração, fonte da vida e da força. Envolvido por este presente de ouro, e assim escudado, o novo discípulo sentiu-se seguro. Ele ainda teria que provar sua força.

Netuno chegou com uma parelha de cavalos e entregou as rédeas a Hércules. De rara beleza e comprovado vigor vinham eles diretamente do lugar das águas. E Hércules sentiu-se contente, pois ainda tinha que provar sua capacidade para aquela parelha de cavalos.

Com uma fala graciosa e brilhante espirituosidade, chegou Mercúrio, trazendo, numa bainha de prata, uma espada de raro modelo. Ele afivelou-a à coxa de Hércules, ordenando-lhe que a mantivesse sempre polida e afiada. “Ela tem que dividir e cortar”, disse Mercúrio, “e com precisão e conquistada habilidade, deve mover-se”. E Hércules, com alegres palavras, agradeceu. Ele ainda teria que comprovar sua alardeada habilidade.

Com o estridor de trombetas e tropel de cavalos, irrompeu a carruagem do Deus Sol. Chegara Apoio, e com sua luz e encanto cumprimentou Hércules, dando-lhe um arco, um arco de luz. Através das portas abertas de nove Portões terá que passar o discípulo, antes de ter adquirido habilidade suficiente para retesar aquele arco. Consumiu-lhe todo aquele tempo para provar que era um Arqueiro. Contudo, quando o presente lhe foi ofertado, Hércules aceitou-o, confiante no seu poder, um poder até então não provado.

E assim equipado, lá estava ele. Os deuses permaneceram ao redor do Mestre, observando as alegres cabriolas de Hércules. Ele brincou diante dos deuses, e mostrou suas proezas, jactando-se de sua força. Subitamente, parou e por longo tempo pôs-se a refletir; passou as rédeas dos cavalos a um amigo, a outro entregou a espada, e a um terceiro, o arco. Em seguida, correu para um bosque próximo e desapareceu.

Os deuses aguardavam sua volta, entre intrigados e curiosos diante desta estranha conduta. Ao retomar do bosque, com o braço erguido acima da cabeça, empunhava uma clava de madeira, que cortara de uma vigorosa árvore.

“Isto é meu mesmo”, gritou ele, “ninguém m’o deu. Isto eu posso usar com poder. Oh deuses, observai meus grandes feitos.”

Então, e somente então, o Mestre disse: “Começai a trabalhar”. (O Tibetano)

Elaboração do Mito

Vamos agora tecer considerações sobre o próprio Hércules. É uma história interessantíssima e que tem sido abordada por muitos escritores. Discutir os detalhes de sua vida e debater a sequência dos acontecimentos, não é, de forma alguma, o nosso objetivo. As várias narrativas diferem quanto aos detalhes, de acordo com os preconceitos do historiador, e podem ser estudadas nas muitas histórias clássicas e em dicionários. Trataremos aqui apenas dos famosos doze trabalhos, sobre os quais lemos que:

“Hércules, pela vontade de Júpiter, foi submetido ao poder de Euristeu, e forçado a obedecer a todas as suas ordens. Ele consultou o oráculo de Apolo e foi-lhe dito que, em obediência às ordens de Júpiter, ele teria que, por doze anos, submeter-se à vontade de Euristeu; e que, depois de ter concluído os mais renomados trabalhos, seria trasladado para os deuses.”

Assim, ele deu início à sua carreira e, como um discípulo sob o comando de sua alma, empreendeu os doze trabalhos, executando cada um deles em um dos signos do zodíaco. Ele, portanto, representa todo discípulo que busca trilhar o caminho e demonstrar controle sobre as forças de sua natureza e, do mesmo modo, representa o ponto em que a humanidade se encontra agora.

Seu nome era primitivamente Alkeides, mudado para Hércules depois dele ter passado por uma estranha experiência, e antes de ter dado início aos seus trabalhos. O nome Hércules era originalmente Herakles, que significa “a glória de Hera”. Hera representa Psique, ou a alma, e assim seu nome personificava sua missão, que era manifestar, em trabalho ativo no plano físico, a glória e o poder de sua divindade inata.

Uma das antigas escrituras da índia diz: “Pelo domínio da vida que cerceia, vem a radiância”, e esse domínio sobre a forma que aprisiona, era a gloriosa consumação de todas as iniciativas de Hércules. Dizem-nos que ele teve um pai divino e mãe terrena e assim, tal como em todos os filhos de Deus, vemos emergir a mesma simbologia básica. Eles tipificam em suas pessoas a dualidade essencial de Deus em manifestação, da vida na forma, da alma no corpo, e do espírito e matéria. Esta dualidade é a glória da humanidade e constitui também o problema que cada ser humano tem que solucionar. Pai-Espírito e Mãe-Matéria juntam-se no homem, e o trabalho do discípulo é desligar-se dos laços da mãe para assim responder ao amor do Pai.

Esta dualidade é também posta em relevo pelo fato de que ele era um de gêmeos. Lemos que um dos gêmeos nasceu de pai terreno, e que o outro era o filho de Zeus. Esta é a grande realização a que chega cada ser humano desenvolvido e autoconsciente. Ele se vê consciente de dois aspectos que se encontram em sua natureza. Existe a personalidade, bem desenvolvida e altamente organizada, por meio da qual ele habitualmente se expressa (mental, emocional e física), com todas as três partes coordenadas numa unidade integrada. Depois existe a natureza espiritual, com seus impulsos e intuições, sua constante atração para as coisas vitais e divinas, e a consequente guerra interna que resulta da percepção desta dualidade. Hércules era o discípulo, vivendo num corpo físico, mas às vezes capaz, como São Paulo, de ser “arrastado para o terceiro céu”, e relacionar-se com seres divinos. Nesta condição, ele visualizou o Plano, soube o que tinha a fazer, e percebeu a realidade da vida espiritual.

Há também um pequeno e interessante fato na história da sua vida ligado a esta mesma verdade. Contam-nos que, enquanto ainda infante, Hércules matou seu irmão gêmeo. Deixou de ser uma entidade dividida, uma dualidade, mas alma e corpo formaram uma unidade. Isto indica sempre o estágio do discípulo. Ele fez a unificação e sabe que ele é alma no corpo, e não alma e corpo, e agora esta conscientização colore todos os seus atos. Ainda no berço, conta a história, a vigorosa criança matou duas serpentes, novamente dando ênfase à dualidade. Neste ato, ele previu o futuro, no qual demonstrou que a natureza física não mais o controlava e sim, que ele podia estrangular a serpente da matéria e que a grande ilusão não mais o aprisionava. Matara a serpente da matéria e a serpente da ilusão. Se estudarmos a simbologia da serpente, veremos que três serpentes são descritas: uma representa a serpente da matéria, outra, a serpente da ilusão, e a terceira, a serpente da sabedoria. Somente se descobre esta última serpente depois que as duas primeiras tenham sido mortas.

Esta percepção da dualidade define o primeiro estágio da experiência espiritual e cobre os pensamentos de todos os grandes aspirantes e místicos do mundo. Note-se como São Paulo brada ao se debater com esse problema:

“Acho, então uma lei que, quando quero fazer o bem, o mal está presente, comigo.”

“Porque, seguindo o homem interior, eu me comprazo na lei de Deus. Mas sinto nos meus membros outra lei, batalhando contra a lei de meu espírito, que me faz cativo na lei do pecado, que está nos meus membros.”

“Dou graças a Deus, através de Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim que, eu mesmo, segundo o espírito, sirvo à lei de Deus, mas segundo a carne, à lei do pecado”. (Romanos VII, 21-25)

Enquanto Hércules crescia, assim nos contam, foram dispensados grandes cuidados à sua educação. Foi treinado em todas as atividades e cada faculdade de que era dotado foi desenvolvida e organizada. Qual a lição que podemos extrair daí? E a necessidade de entender que cada discípulo, realmente digno desse nome, tem de forçosamente ser um membro altamente desenvolvido da família humana. As três partes de sua natureza têm que estar desenvolvidas; a mente, bem provida e operante, e ele tem que saber como usá-la; sua natureza sensível emocional tem que ser capaz de responder a todos os tipos de contatos; o corpo físico tem que ser um meio de expressão apropriado à alma que o habita, e equipado para assumir as tarefas a que o homem se propõe.

Por muitos séculos tem havido entre os estudantes uma tendência para depreciar e subestimar a mente. Conseguem dizer levianamente que “a mente é a assassina do real”, e através de uma despercebida preguiça e inércia mental, sentir que o importante é ter desenvolvida a natureza do coração. Consideram a mente, com sua capacidade de analisar e discriminar, como um engodo e uma ilusão. Mas certamente isto é um erro. O conhecimento de Deus é tão necessário e tão importante quanto o amor de Deus; e isto a nova era, com seu novo tipo de aspirante, certamente, provará. Santidade, doçura e uma índole agradável e amorosa têm seu lugar no conjunto das características do aspirante, mas quando são acompanhadas de estupidez e mentalidade tacanha, deixam de ser tão úteis quanto poderiam ser, caso estivessem unidas à inteligência. Quando ligadas a um intelecto de alto nível, e com poderes mentais orientados para o conhecimento divino, produzem aquele conhecedor de Deus cuja influência se espalha pelo mundo, e que pode não só amar o seu semelhante, mas também ensinar-lhe.

Assim, Hércules foi preparado para todas as tarefas e pode tomar lugar entre os pensadores de seu tempo. Também nos dizem que ele tinha quatro cúbitos de altura, modo simbólico de expressar o fato de ter ele alcançado o pleno desenvolvimento nos quatro departamentos de sua quádrupla personalidade. O homem, dizem-nos, é o cubo, “a cidade quadrangular”. Fisicamente, emocionalmente e mentalmente, ele estava desenvolvido, e a estes três fatores junta-se um quarto, a alma na posse consciente do seu mecanismo, a personalidade desenvolvida.

Tendo atingido seu crescimento e tendo sido treinado em tudo aquilo que o mundo lhe podia dar, dizem-nos que, em seguida, ele matou seus instrutores. Matou-os todos e livrou-se deles. Por quê? Porque alcançara o ponto em que podia firmar-se em seus próprios pés, tirar suas próprias conclusões, guiar sua própria vida e tratar de seus próprios assuntos. Era necessário, portanto, ver-se livre de todos aqueles que procuravam supervisioná-lo; tinha que romper com toda autoridade e sair à procura de seu próprio caminho e estabelecer seus próprios contatos com a vida. É neste ponto que muitos aspirantes se encontram hoje. Possuem muita teoria, um relativamente grande conhecimento técnico sobre a natureza do Caminho e sobre o que deveriam fazer ao trilhá-lo, mas ainda não estão firmes nos pés para caminhar sozinhos, sem assistência. Precisam de escoras, e procuram quem lhes diga o que fazer e no que devem acreditar. Veremos no terceiro trabalho que Hércules executou, no signo de Gemini, que ele foi testado sobre este ponto e teve que provar que estava certo no passo que dava. É então que ele faz a interessante descoberta de não ser tão livre nem tão forte quanto, no seu entusiasmo juvenil, fantasiara ser.

Quando chegou aos dezoito anos, relatam-nos, ele matou um leão que estivera devastando o campo, e que ele começou a realizar outros serviços públicos, de modo que, pouco a pouco, seu nome tornou-se conhecido entre o povo. Dezoito é sempre um número significativo.

Nele encontramos o número dez, que é o número da perfeição da personalidade, mais o número oito, que, segundo alguns numerologistas, é o número da força do Cristo. É a força do Cristo, no novo ciclo do discipulado, procurando expressar-se, que provoca a confusão e as dificuldades que caracterizam esse estágio. Talvez valha à pena observar o seguinte:

“O número oito é o círculo que já descobrimos ser o recipiente de todas as potências a partir das quais a Luz trará a Perfeição, mas agora torcido ou dobrado sobre si mesmo. A serpente não mais engole a sua cauda, completando assim o seu ciclo, mas retorce-se e dá voltas no espaço e, com suas contorções, produz uma imagem deturpada de si mesma... Porém, no número dezoito temos a visão do Caminho Reto e Estreito: o Ponto desdobrou-se no um e tornou-se o eixo em tomo do qual nossa vida gira. Nesta etapa o Iniciado defronta-se com esta verdade divina e terá sentido o poderoso impulso da Vida Una. A partir de então, ele aspira a tomar a linha torcida (8) uma serva da linha reta .” (A Chave do Destino, H. A. e F. H. Curtiss, pp. 246-247)

É também interessante observar o que nos é dito na Cabala:

“O décimo oitavo caminho é chamado a Casa da Influência... e do meio da investigação são extraídos os arcanos e o sentido oculto que moram na sua sombra e que a ela se agarram a partir da causa de todas as causas.” (Sepher Yetzirah, no. 30)

É isto que, aos dezoito anos, Hércules se prepara para fazer. Ele deverá trilhar o Caminho em que todas as coisas ocultas podem ser trazidas à luz; ele atingira o ponto em que pode alcançar o conhecimento de si mesmo e começar a investigar as forças da natureza. Este é o problema de todos os discípulos.

O episódio seguinte na sua carreira é o do casamento e do nascimento de três filhos, um modo simbólico de expressar a verdade de que ele fizera a unificação com Psique, a alma. Desta união nasceram os três aspectos da alma, ou começaram a manifestar-se. Ele começava a conhecer a natureza da vontade espiritual e a usá-la para direcionar sua vida. Ele vivenciou os resultados da obra do amor espiritual e conscientizou-se da necessidade de servir. A mente espiritual começou a revelar-lhe a verdade, e ele viu o propósito subjacente. Estas são as correspondências superiores dos três aspectos da personalidade: sua mente, sua natureza emocional e seu corpo físico.

Nós agora o surpreendemos atravessando um estágio bastante singular. Lemos, na antiga história, que Hera (Psique, ou a alma) o fez enlouquecer. Ela levou-o à loucura com o seu ciúme, e durante este curioso estado, lemos que ele matou seus filhos, seus amigos e todos a ele relacionados. Não se poderia sugerir, em relação a isto, que ele passara por aquele doentio estado, comum a todos os principiantes no Caminho do Discipulado, no qual uma mórbida conscientização sacrifica tudo e todos pelo desenvolvimento da alma individual? Esta é uma falha muito comum entre os aspirantes. Seu senso de proporção é frequentemente falho e distorcida sua escala de valores. A vida sadia e equilibrada, que é a ideal para um filho de Deus, fica subordinada à fanática determinação de progredir espiritualmente. A ambição espiritual domina o aspirante, e ele se toma destrutivo, desequilibrado e habitualmente de convívio extremamente difícil. Há um excelente conselho na injunção bíblica, “Não sejais retos demais. Por que deveríeis morrer?” Este estágio nos é curiosamente exemplificado em larga escala pelos fanáticos sacrifícios feitos no oriente, e sob a Inquisição e os Reformistas Protestantes escoceses, impostos a todos aqueles que interpretavam a verdade de modo diferente da convicção de um determinado grupo de crentes.

Quando Hércules se recuperou dessa insanidade, como felizmente aconteceu, dizem-nos que lhe foram dados um novo nome e uma nova moradia e que os doze trabalhos lhe foram designados, para que os executasse. Dizem-nos que lhe foram dirigidas estas palavras: “Deste dia em diante, teu nome não mais será Alkeides, mas Herakles. Em Térjus farás tua morada, e lá, servindo, executarás teus trabalhos. Quando isto tiver sido realizado então tornar-te-ás um entre os Imortais.” (Mitologia Grega e Romana, Vol.I, Fox). Tendo recobrado a sanidade, o foro de sua vida mudou. Não mais vivia no lugar onde antes vivera. O nome de sua alma tornara-se o seu nome, e isto constantemente o fazia lembrar-se de que expressar a glória da alma era a sua missão. Os doze grandes trabalhos que deveriam apor o selo da realização de sua vida, e que indicariam seu direito de juntar-se ao grande grupo dos Imortais, foram-lhe esboçados e ele entrou no Caminho.

Dizem-nos que em sua pessoa ele simbolizava a Cruz Fixa nos céus, formada pelas quatro constelações: Touro, Leão, Escorpião e Aquário. Conta a tradição que ele era de físico atarracado, assim como era psicologicamente teimoso e pronto para atacar qualquer problema, e atirar-se cegamente em qualquer iniciativa. Nada conseguia demovê-lo de seu propósito, e veremos ao estudarmos os seus trabalhos, que se atirava a eles impetuosamente. Nada o detinha, nada o amedrontava, e obstinadamente ele prosseguia. O antigo motto que tem governado os atos de todos os discípulos ativos tornou-se o seu, e sua alma impôs-lhe como uma necessidade “o poder de fazer, o poder de ousar, o poder de calar e o poder de saber”. O “poder de fazer” é o motto de Touro e disto ele deu exemplo nos seus doze trabalhos. Ele simbolizava Leão, porque usava sempre a pele do leão, como prova de sua coragem; e sendo o motto desse signo “o poder de ousar”, nenhum perigo o amedrontava e dificuldade alguma o fazia desistir.

Talvez seu feito mais extraordinário tenha sido realizado no signo de Escorpião; pois o grande trabalho era vencer a ilusão. Isto foi consumado por completo no signo de Escorpião. O motto deste signo é “silêncio”. Em Capricórnio, ele se torna o Iniciado, e este estágio só é possível quando a ilusão foi vencida, e conquistado o poder do silêncio. Portanto, quando ainda uma criança no berço, sem saber falar, ele simbolizou o alto nível de sua conquista pelo estrangulamento das duas serpentes. Depois, na maturidade, ele simbolizou em si próprio Aquário, o Homem, cujo motto é “saber”. Ele possuía una mente e usou seu intelecto para o trabalho e serviço ativos.

Assim, fazendo, ousando, em silêncio e com conhecimento, ele venceu todos os obstáculos e passou, sem impedimentos, de Áries a Peixes; começando em Áries como o humilde aspirante, e terminando em Peixes como o conhecedor de tudo, vitorioso Salvador do Mundo.

Um ponto poderia ser aqui assinalado. Na história de Hércules, nada do que ele disse nos é relatado; contam-nos apenas o que ele fez. Através de seus feitos, ele conquistou o direito de falar. Na história daquele Filho de Deus maior, Jesus, o Cristo, não só nos é relatado o que ele fez, mas também o que disse. No silêncio de Hércules e em sua firme realização, no aperfeiçoamento independente dos fracassos e dificuldades com que se defrontou, e em sua capacidade de resistir, são-nos mostrados as características do discípulo. Na história de Jesus, o Cristo, através da demonstração de seus poderes e pelas palavras que pronunciou, temos as provas do Iniciado.

E agora, tendo chegado à maturidade, tendo desenvolvido as características necessárias à sua missão, lemos que os deuses e as deusas esmeraram-se em equipá-lo para o trabalho que ele tinha a fazer. Ele havia recebido tudo que o mundo lhe poderia ofertar; agora, os poderes da alma eram-lhe conferidos, e ele tinha que aprender como usá-los. Lemos que Minerva lhe deu um belo manto mas, como jamais houvesse referências de que ele o houvesse usado, podemos deduzir que havia alguma intenção simbólica nisto. Há muitos casos na História em que um manto é dado: José recebeu de seu pai, um, multicolorido; o manto de Elias passou para Elisha, e o manto de Cristo foi disputado e dividido entre os soldados durante a crucificação. É voz geral que o manto é o símbolo da vocação. A vocação de Elias tinha que passar para Elisha; a vocação de Cristo, o Salvador do Mundo, terminara na crucificação quando ele encetou um trabalho maior e mais importante.

A sabedoria que agora Hércules conquistara, porque realizara a unificação com a alma, imprimiu nele o sentido da vocação. Ele estava comprometido com a vida espiritual, e nada podia detê-lo. Vulcano dera-lhe um peitoral de ouro, magnético e protetor, o símbolo da energia, emanando das altas fontes do poder espiritual, que o capacitará a realizar os doze trabalhos e prosseguir intimorato. De Netuno, o deus das águas, ele recebeu cavalos. A simbologia aqui subjacente é interessantíssima. Cavalos, assim como Netuno, o deus das águas, e a deidade da natureza aquosa, emocional, representam a capacidade de se deixar levar seja por uma linha de pensamento, seja por uma reação emocional. Esta natureza emocional, fluídica, com sua sensitividade e poder para sentir, quando corretamente usada e subordinada aos propósitos divinos, é um dos maiores trunfos de que o discípulo dispõe. Com a ajuda de Netuno e dos velozes corcéis, Hércules podia entrar em contato com a distante esfera na qual seus trabalhos podiam ser lançados. Através da sensibilidade emocional e resposta também nós podemos entrar em contato com o mundo no qual nossos trabalhos são lançados. Assim equipado com vocação, energia espiritual e sensibilidade, o presente de uma espada que veio de Mercúrio, o mensageiro dos deuses, reveste-se de profundo significado, porque a espada é o símbolo da mente que divide, separa e elimina. Através do seu uso, Mercúrio juntou aos outros presentes ofertados a Hércules, o da análise mental e da discriminação. Contam-nos que Apolo, o próprio Deus Sol, interessou-se por Hércules, e ponderou sobre o que lhe poderia dar que servisse a ele. Finalmente deu-lhe um conjunto de arco e flecha, simbolizando a capacidade de ir direto à meta; símbolo também, daquela penetrante iluminação, aquele facho de Luz que podia iluminar a escuridão do caminho, quando necessário.

Assim equipado, está Hércules pronto para a grande tarefa. E quando todos os presentes lhe haviam sido dados, e ele ali estava com seu equipamento divino, lemos sobre um pequeno, mas intrigante detalhe: ele sai e volta com um bastão que cortara para seu uso. Todos aqueles presentes divinos eram belos e maravilhosos, mas por enquanto, ele não sabia como usá-los. Sentia sua vocação, acreditava na energia espiritual, diziam-lhe que possuía os cavalos de contato, e que, se assim o desejasse, o arco e flecha da iluminação eram seus; porém ele gostava daquele bastão que ele mesmo fizera e que lhe era familiar. Ele preferia abrir seu caminho com o bastão que ele sabia que poderia usar, a usar aquelas ferramentas estranhas que lhe haviam sido dadas. Assim, tomou do seu bastão de madeira e deu início aos trabalhos.

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