Navegação

Página Inicial
Livros de Alice Bailey

Do Intelecto à Intuição


Capítulo IV - Os Objetivos da Meditação

"A união obtém-se através da subjugação da natureza psíquica e do controle da substância mental. Quando isto se realiza, o iogue conhece-se como é na real idade."
DOS AFORISMOS DE PATANJALI.

Os Objetivos da Meditação

Admitindo a exatidão das teorias esboçadas nos capítulos precedentes, talvez seja útil expor claramente o fim preciso para que tende o homem cultivado, quando entra na via da meditação, e em quê esta via difere do que os cristãos chamam oração. Uma noção precisa destes dois pontos é essencial se queremos progredir, porque a tarefa que aguarda o investigador é árdua; precisará mais do que um entusiasmo efêmero e um esforço temporário se quiser vir a controlar esta ciência e formar-se num eficiente em sua técnica. Vamos considerar o primeiro ponto e contrastar os dois métodos, o da oração e o da meditação. Talvez a oração possa ser definida melhor pelas linhas de J. Montgomery, que são bem conhecidas:

"A oração é o desejo sincero da alma,
Pronunciada ou não expressa;
O movimento dum fogo oculto
Que estremece no peito."

Na oração, o pensamento é o de um desejo, de uma petição; e a fonte do desejo é o coração. Mas é preciso lembrar que o desejo do coração pode ser a aquisição de bens que a personalidade cobiça, ou dos bens celestes e transcendentes que a alma aspira. Num caso e no outro, a ideia fundamental é pedir o que se deseja e o fator antecipação intervém; também é finalmente adquirida qualquer coisa se a fé do suplicante for suficientemente forte.

A meditação difere no que ela é em primeiro lugar uma orientação da mente, orientação esta que conduz a realizações e reconhecimentos que se tornam conhecimento formulado. Existe grande confusão nas mentes de muitos quanto a esta distinção e Bianco de Sienne falava realmente da meditação quando dizia:

"Que é a oração, senão a volta para cima, da mente de encontro a Deus?"

As massas, polarizadas na sua natureza emocional e com tendência predominantemente mística, pedem aquilo de que têm necessidade; lutam, na oração, pela aquisição de virtudes desejadas, suplicam a uma Divindade atenciosa para acalmar as suas dificuldades; intercedem por aqueles que lhes são queridos e próximos; importunam o alto Céu para obter os bens materiais ou espirituais que sentem essenciais para a sua felicidade. Aspiram e desejam qualidades, circunstâncias e os fatores condicionantes que tornem as suas exigências mais fáceis, ou as libertem para fins que creem mais úteis; agonizam em oração, implorando o alivio dos seus sofrimentos e das suas doenças e procuram obter de Deus uma resposta aos seus pedidos de revelação. Assim, pedir, reclamar e aguardar são as principais características da oração, com o desejo predominante e o coração empenhado. É a natureza emotiva e a parte sensitiva do homem que procura o que é necessário, e as necessidades são múltiplas e reais. É o acesso pelo coração.

Quatro graus de oração podem ser reconhecidos:

1º. A oração para benefícios materiais e para uma ajuda;
2º. A oração para virtudes e graças de caráter;
3º. A oração para outros, oração de intercessão;
4º. Oração para iluminação e para a divina realização.

Ver-se-á, de um estudo destes quatro tipos de oração, que têm todas as suas raízes na natureza emocional (desejo) e que a quarta conduz o aspirante ao ponto em que a oração pode acabar e a meditação começar. Sêneca deve ter compreendido isto quando escreveu: "nenhuma oração é necessária, exceto para pedir um bom estado mental e a saúde (a plenitude) da alma".

A meditação faz avançar a obra para o plano mental. O desejo dá lugar ao trabalho prático de preparação para o conhecimento divino e o homem que tinha começado a sua longa carreira e experiência da vida com o desejo como qualidade fundamental, e atingido o estado da adoração da divina Realidade vagamente entrevista, sai agora do domínio místico para o do intelecto, da razão e da realização final. A oração mais um altruísmo disciplinado produz o místico; a meditação, com o serviço disciplinado e organizado, produz o conhecedor. O místico, como vimos, percebe as divinas realidades e contata (do alto da sua aspiração) a visão mística, e aspira perpetuamente à repetição constante do êxtase ao qual a oração, a adoração e a veneração o elevaram. É geralmente incapaz de repetir à vontade esta iniciação. O Padre Poulain, Nas Graças da Oração, diz que nenhum estado é místico a menos que o vidente seja incapaz de produzir por si próprio. Na meditação é o caso inverso; e pelo saber e compreensão, o homem iluminado é capaz de entrar à vontade no domínio da alma e de participar inteligentemente na sua vida e em seus estados de consciência. Um dos métodos envolve a natureza emocional e baseia-se na crença de um Deus que pode dar. O outro envolve a natureza mental e baseia-se na crença da divindade do próprio homem, embora não negue as premissas místicas do outro tipo.

Descobrir-se-á, contudo, que a palavra místico é empregada num sentido mais vasto, que cobre não apenas o místico puro com as suas visões e reações sensoriais, mas também os que estão passando para o reino do conhecimento puro e da certeza. Engloba os estados que são inesperados e intangíveis, baseados na aspiração e devoção pura e também os que são o resultado de uma aproximação ordenada e inteligente da Realidade, e que são suscetíveis de repetição graças às leis que o conhecedor aprendeu. Destes dois grupos trata Bertrand Russel de uma forma muito interessante, embora empregue o termo "místico" nos dois casos. Estas palavras formam um prelúdio fascinante ao nosso tema.

"A filosofia mística, em todos os tempos e em toda a parte do mundo, é caracterizada por certas crenças que são ilustradas pelas doutrinas que temos considerado. Há primeiramente a crença numa visão oposta ao saber discursivo e analítico; a crença num modo de sabedoria repentina, penetrante, coerciva, que contrasta com o lento e falível estudo da aparência exterior, por uma ciência assente inteiramente nos sentidos.

A visão mística começa com um sentido de mistério não revelado, de uma sabedoria escondida agora tornada subitamente certa, além da possibilidade de qualquer dúvida. O sentimento de certeza e de revelação precede qualquer crença definida. As crenças definidas que os místicos alcançam são o resultado da reflexão sobre a experiência inarticulada ganha no momento da visão...

O primeiro e o mais direto resultado do momento de iluminação é a crença na possibilidade de um caminho de conhecimento que se pode chamar revelação ou visão interna, ou intuição, em contraste com os sentidos, a razão e a análise, que são considerados como guias cegos que conduzem aos pântanos da ilusão. A concepção de uma Realidade para além do mundo das aparências e inteiramente diferente dele está intimamente ligada a esta crença. Olha-se esta Realidade com uma admiração que muitas vezes raia a adoração; ela é sentida como estando sempre e em toda a parte bem à mão, levemente velada pelos artifícios dos sentidos e pronta a brilhar em toda a sua glória para a mente receptiva, a despeito da aparente loucura e da malevolência dos homens. O poeta, o artista e o amante são buscadores desta glória: a beleza assombrada que perseguem é a frágil reflexão do seu sol. Mas o místico vive na plena luz da visão: o que os outros procuram vagamente ele o sabe, com um conhecimento ao lado do qual todo o outro conhecimento é ignorância. A segunda característica do misticismo é a sua crença na unidade e a recusa de admitir oposição ou divisão onde quer que seja...

Uma terceira marca de quase todas as metafísicas místicas é a negação da realidade do tempo. É o resultado da negação da divisão: se tudo é Um, a distinção entre o passado e o futuro deve ser ilusória...

A última das doutrinas do misticismo que temos que considerar é a crença que o mal é uma simples aparência, uma ilusão produzida pelas divisões e as oposições do intelecto analítico. O misticismo não pretende que coisas como a crueldade, por exemplo, sejam boas, mas nega que sejam reais; pertencem ao mundo inferior de fantasmas dos quais nos devemos libertar pela penetração da visão." (1)

Mas o caminho do místico é uma preparação para o caminho do conhecimento e quando o místico para em adoração diante da visão e em apreciação ao Bem-Amado, o buscador do verdadeiro conhecimento empreende a tarefa e avança com o trabalho.

O Dr. Bennet, de Yale, no fim do seu livro sobre o misticismo, diz:

"O místico, no fim da sua preparação, espera simplesmente uma aparição e um acontecimento que tem o cuidado de não definir muito particularmente; espera também, plenamente consciente de que o seu esforço levou-o aonde pode ir e que isto deve ser agora completado com um contato qualquer, vindo do exterior." (2)

Este pensamento confina toda a ideia dentro do reino da percepção sensorial, mas há qualquer coisa mais. Há conhecimento direto. Há uma compreensão das leis que governam o novo reino do ser. Há submissão a um novo processo e aos degraus e palavras de passe que conduzem à porta e provocam a abertura. É aqui que a meditação desempenha o seu papel e que a mente intervém para preencher a rua nova função: suscitar a revelação. Através da meditação, a união à qual o místico aspira e pressente, e da qual tem breves e fugazes experiências, torna-se definida e é conhecida para além de todas as controvérsias, sendo também recuperáveis à vontade. O Padre Joseph Maréchal, na sua notável obra, faz observar que:

"... os símbolos desvanecem-se, as imagens apagam-se, o espaço desaparece, a multiplicidade reduz-se, o raciocínio silencia-se, o sentimento de extensão junta-se e depois apaga-se; atividade intelectual concentra-se inteiramente na sua intensidade; apodera-se sem intermediário, com a soberana certeza da intuição, Ser, Deus . . .

A mente humana, então, é uma faculdade à procura da sua intuição, isto é, a assimilação do Ser, do Ser puro e simples, soberanamente Um, sem restrição, sem distinção de essência e de existência, de possível e de real." (3) (Palavras escritas em itálico por A.A.B.)

Tomar da mente e incliná-la à sua nova tarefa de revelação do divino é agora o objetivo do místico convicto. Para fazer isto com êxito e com felicidade, terá necessidade de uma visão precisa do seu objetivo e de uma compreensão lúcida dos resultados consecutivos a demonstrar. Precisará de uma formulação clara dos trunfos com os quais se aproxima da sua empresa e uma apreciação precisa das suas falhas e defeitos. Deverá adquirir uma perspectiva de si próprio e das circunstâncias, tão equilibrada quanto possível. Paralelamente a isto, deve haver uma visão igualmente equilibrada da meta e uma compreensão da maravilha das realizações e dos dons que serão seus, quando o seu interesse for transferido das coisas que açambarcam agora a sua atenção e emoções para os padrões e valores mais esotéricos.

Vemos que a meditação é um processo pelo qual a mente é reorientada para a Realidade e que, convenientemente empregada, pode conduzir o homem a outro reino da natureza, a outro estado de consciência e de Ser e a outra dimensão. O objetivo da realização foi transferido para domínios mais elevados do pensamento e realização. Quais são os resultados precisos desta reorientação?

Pode-se declarar primeiramente que a meditação é a ciência que nos permite chegar a uma experiência direta de Deus. Aquilo (ou Aquele) no qual vivemos, nos movemos e temos o nosso ser, não é mais o objetivo de uma aspiração ou um símbolo de uma possibilidade divina. Conhecemos Deus como a Causa Eterna e a fonte de tudo o que é, nós próprios incluídos. Reconhecemos o Todo. Tornamo-nos um com Deus, tornando-nos um com a nossa própria alma imortal e, quando este acontecimento tremendo tem Lugar, descobrimos que a consciência da alma individual é a consciência do todo e que a separação, a divisão e os conceitos do meu e do teu, de Deus e do filho de Deus, dissolveram-se no conhecimento e na realização da unidade. O dualismo deu lugar à unidade. Este é o caminho da União. A Personalidade integrada foi ultrapassada por um processo ordenado de desdobramento da alma, e produziu-se uma unificação consciente entre o eu pessoal ou inferior e o Eu superior ou Divino. Esta dualidade deve primeiramente ser realizada e depois ultrapassada antes que o Eu Real se torne na consciência do homem, o Eu Supremo. Foi dito que as duas partes do homem, durante longas idades, não tiveram nada em comum; estas duas partes são a alma espiritual e a forma da natureza, mas estas partes estão juntas eternamente (e aqui está a solução do problema do homem) pelo princípio mental. Num livro antigo dos hindus, o Bhagavad-gītā, encontram-se estas palavras significativas:

"O Eu é o amigo do eu, naquele em que o eu é conquistado pelo Eu; mas para quem está longe do Eu, o seu próprio eu é hostil como um inimigo." (4)

São Paulo diz praticamente a mesma coisa, no seu grito desesperado:

"Pois eu sei que em mim, ou seja, na minha carne, não habita o bem; porque o querer está presente em mim, mas não descubro como fazer o que é bem... Deleito-me na lei de Deus, segundo o homem interior, mas sinto nos meus membros outra lei rebelando-se à lei da minha mente e que me torna cativo da lei do pecado que está nos meus membros. Infeliz homem eu sou! Quem me livrará (o Eu real) do corpo desta morte?" (5)

Este eu real é Deus - Deus triunfante, Deus criador, Deus o Salvador do homem. É, segundo as palavras de S. Paulo, "Cristo em nós, esperança de glória." Isto não é já uma teoria, mas um fato na nossa consciência.

A meditação transforma as nossas crenças em fatos comprovados e as nossas teorias em experiências vividas. A declaração de S. Paulo permanece um conceito e uma possibilidade até que, pela meditação, a vida de Cristo é evocada e se torna o fator dominante na vida diária. Falamos de nós como sendo divinos e como sendo filhos de Deus. Conhecemos os que demonstraram a sua divindade ao mundo e que se mantêm na primeira fila da realização humana, testemunhamos faculdades para além do nosso alcance. Somos conscientes, em nós, dos esforços que nos impeliram para o saber e de incitações internas que forçaram a humanidade a subir a escala da evolução até o grau atual dos que chamamos homens educados. Um impulso conduziu-nos da condição pré- histórica às condições da nossa civilização moderna. Acima de tudo, estamos conscientes dos que possuem ou pretendem possuir uma visão das coisas celestiais que aspiramos compartilhar, e que atestam que há um caminho direto até o centro da Realidade Divina, caminho que nos pedem para seguir também. Dizem-nos que é possível ter uma experiência direta e a nota característica do nosso tempo moderno pode-se resumir nestas palavras "da autoridade para a experiência". Como podemos saber? Como ter esta experiência direta, livre da intromissão de qualquer intermediário? A resposta é que há um método que foi seguido por milhares de seres, e um processo científico que foi formulado e seguido pelos pensadores de todos os períodos e por meio dos quais se tornaram conhecedores.

A educação realizou talvez o seu trabalho principal ao preparar a mente para empreender o trabalho da meditação. Ensinou- nos que possuímos este instrumento e deu-nos alguns dos meios para a sua utilização. Os psicólogos ensinaram-nos muito no campo das reações e dos nossos hábitos instintivos. Agora, o homem deve tomar conscientemente posse do seu instrumento e passar dos estados iniciais do processo para as aulas e laboratórios internos, onde é possível comprovar Deus para si próprio, como o objetivo da educação. Quem disse que o mundo não é uma prisão mas sim um jardim infantil espiritual, onde milhares de crianças transviadas ensaiam soletrar Deus? A mente dirige-nos daqui para acolá, na tarefa de soletrarmos a Verdade até o raiar do dia em que, esgotados, retiramo-nos em nós mesmos e meditamos e então encontramos Deus. Como diz o Dr. Overstreet: "Toda a nossa perseverante demanda encontra então a sua explicação e simplificada. É o Deus operativo em nós. À medida, pois, que descobrimos os valores mais duráveis, ou que os criamos, realizamos Deus nas nossas próprias existências." (6)

Podemos ainda definir a meditação como o método pelo qual o homem se eleva à glória do Eu não velado pelo processo de rejeição de uma forma atrás de outra. A educação não é unicamente providenciada pelas escolas e universidades. A maior de todas as escolas é a experiência da vida e as lições que aprendemos são as que nós próprios atraímos, identificando-nos com uma sucessão de formas... formas de prazer, formas dos que amamos, formas de desejo, formas de conhecimentos ... a lista não tem fim! Pois quê são as formas senão essas ilusões que criamos e que colocamos à nossa frente como objetos de culto, ou essas ideias acerca da felicidade e da verdade que outros criaram e que perseguimos sem fim, para descobrir que elas se desvaneceram frente aos nossos olhos fatigados. Procuramos satisfação em fenômenos de toda a ordem, apenas para verificar que se transformaram em pó e em cinzas, até que finalmente alcançamos esta qualquer coisa intangível, mas infinitamente real que deu existência a tudo. Aquele que vê as formas como símbolos da realidade vai bem no caminho para chegar ao Eu sem véu. Mas para fazer isto necessita-se de uma apreensão mental e de uma intuição dirigida. Sir James Jeans teve uma percepção disto quando disse:

"Os fenômenos vêm a nós dissimulados nas suas armações de espaço e tempo; são mensagens cifradas de que não descobrimos o último significado antes de os termos despojados dos seus envoltórios de tempo-espaço." (7)

O homem é um ponto de luz divina, envolto por numerosos envoltórios, como uma luz escondida numa lanterna. Esta lanterna pode ser fechada e escura, ou aberta e radiante. Tanto pode ser uma luz brilhante diante dos olhos dos homens, como uma coisa oculta, sem utilidade para os demais. Afirma-se nos Aforismos de Ioga de Patânjali, um livro fundamental sobre a meditação, de que forneci uma interpretação no meu livro A Luz da Alma, (8) que pela disciplina justa e pela meditação: “O que obscurece a luz é gradualmente removido" e que "quando a inteligência espiritual . . . se reflete na substância mental, então vem o conhecimento do Eu." Em dado ponto da história de todo o ser humano, sobrevém uma importante crise quando a luz deve ser percebida, através do emprego apropriado da inteligência, e o Divino inevitavelmente é contatado. Patânjali insiste sobre este ponto quando diz: "A transferência da consciência, de um veículo inferior para um veículo superior, faz parte do processo criativo e evolutivo". (9) Lenta e gradualmente, o trabalho do conhecimento direto torna-se possível e a glória que se oculta em toda a forma pode ser revelada.

O segredo é saber quando este momento chegou e aproveitar a ocasião. Meister Eckhart diz:

“Se a alma fosse despojada de todos os envoltórios Deus seria descoberto todo nu à sua vista e dar-se-ia a ela sem reserva. Enquanto a alma não tenha rejeitado todos os véus, por mais transparentes que sejam, é incapaz de ver Deus.'' (10)

Assim o Oriente e o Ocidente ensinam a Mesma ideia pelos mesmos símbolos.

A meditação é, por conseguinte, um processo ordenado pelo qual o homem encontra Deus. É um sistema bem experimentado e muitas vezes empregado, que revela infalivelmente o divino. As palavras importantes aqui, são "processo ordenado". Há certas regras que devem ser seguidas, certos passos definidos dados, e certos estados de desenvolvimento experimentados antes que o homem possa realmente recolher os frutos da meditação. Como vimos, é uma parte do processo evolutivo e, como todas as coisas na natureza, é lenta mas segura e infalível nos seus resultados. Não há desapontamento para o homem que está pronto a obedecer às regras e a trabalhar segundo este sistema. A meditação apela para o autocontrole em todas as coisas e, a menos que o trabalho da meditação seja acompanhado pelos outros requisitos incluídos no "processo ordenado" (tais como o controle do eu e o serviço ativo) o objetivo não será atingido. O fanatismo não é necessário. Isto é claramente demonstrado no Bhagavad-gītā:

“Não há meditação para o homem que come muito ou para o que come pouco, ou para aquele cujo hábito é dormir muito, ou muito pouco. Mas para aquele que é regrado na sua alimentação, no seu trabalho, e regrado também no seu sono e na vigília, a meditação torna-se o destruidor de todo o sofrimento.“ (11)

A meditação pode ser justamente vista como parte do processo natural que até aqui levou o homem pelo caminho da evolução de um estado pouco acima do animal, à posição atual de desenvolvimento mental, de realização científica e de inquietação divina. O seu centro de consciência tem mudado constantemente, a sua atenção tem sido dirigida incansavelmente para uma ordem de contatos sempre mais vastos. O homem já passou do estado puramente animal e físico para o de uma consciência intensamente sensitiva e emotiva e neste estado mantêm-se hoje milhões de indivíduos. Mas outros milhões de indivíduos progridem para além disto, para um campo de conhecimento diferente e superior, a que chamamos o da mente. Contudo, um número muito mais restrito de seres está a passar a uma esfera onde é possível uma ordem de contatos universais. Chamamos-lhes os Conhecedores da raça. Através de todos os métodos empregados, corre o fio dourado do propósito divino, e é pela via da meditação que se efetua a transferência da consciência humana para a realização e conhecimento da alma. Este processo de desvendamento do Eu pela negação do lado forma da vida, e a incapacidade final dos envoltórios de o esconderem, pode ser descrita em termos de transmutação, tão bem como em termos de transferência de consciência.

A transmutação é a modificação e a redireção das energias mentais, emocionais e físicas, dirigidas de tal modo que servem para revelar o Eu e não apenas para revelar as naturezas psíquica e física.

Dizem-nos, por exemplo, que temos cinco instintos principais que compartilhamos com todos os animais. Quando estes instintos são empregados para fins egoístas e pessoais, aumentam a vida do corpo, fortificam a forma e a natureza material e servem para esconder cada vez mais o Eu, o homem espiritual. Devem ser transmutados nas suas contrapartes superiores, porque cada característica animal tem o seu propósito espiritual. O instinto de preservação deve ser substituído finalmente pela realização da imortalidade e, "permanecendo sempre no Eterno", o homem caminhará pela terra e cumprirá o seu destino. O instinto que incita o eu inferior a precipitar-se para frente e a forçar a sua subida, será finalmente transformado no domínio do Eu superior ou espiritual. A asserção do pequeno eu, ou eu inferior, dará lugar à do Eu superior. O sexo é um poderoso instinto animal que governa todas as formas animais; dará lugar a uma atração superior e, nos seus mais nobres aspectos, produzirá uma atração consciente e uma união entre a alma e o seu veículo; enquanto que o instinto gregário será transmutado em consciência grupal. Um quinto instinto, a saber, a incitação a procurar, a investigar, que caracteriza todas as mentes a um nível mais ou menos elevado, dará lugar à percepção intuitiva e à compreensão, e assim a grande obra será realizada, o homem espiritual dominará a sua criação, o ser humano, e elevará todos os seus atributos e os seus aspectos até os céus.

Pela meditação, o conhecimento espiritual cresce dentro de nós e partindo desta base do saber ordinário, expandimos perseverantemente a nossa compreensão deste termo até o conhecimento fundir-se na sabedoria. Isto é o conhecimento direto de Deus, por meio da faculdade mental; de tal modo que nos tornamos o que somos e podemos manifestar a nossa natureza divina. Tagore diz em qualquer parte: "A meditação é a penetração em qualquer grande verdade até que sejamos possuídos por ela"; e a verdade e Deus são termos sinônimos. A mente conhece dois objetos, dizem-nos - o mundo externo, por intermédio dos cinco sentidos e do cérebro, e a alma e seu mundo, através do que poderíamos chamar um emprego introvertido do mental, e o seu foco intenso sobre um campo de contato novo e em nada habitual. Então "a substância mental refletindo o conhecedor (o Eu) e o cognoscível torna-se onisciente... torna-se o instrumento do Eu e age como agente de unificação". (12)

Todas as coisas serão reveladas ao homem que realmente medite. Compreenderá as coisas ocultas da natureza e os segredos da vida do espírito. Saberá também como ele sabe.

Assim a meditação conduz à união, à fusão.

O místico ocidental poderá falar na união, enquanto que o seu irmão do Oriente falará de Raja Yoga, ou da União e da Libertação, mas querem dizer a mesma coisa, a saber: que a mente e a alma (O Cristo em nós ou o Eu Superior) atuam como uma unidade, como um todo coordenado, exprimindo assim perfeitamente a vontade do Deus interno. René Guénon, no seu livro "O homem e a sua evolução", faz sobre a palavra "união" um interessante comentário que tem o seu lugar aqui:

"A realização desta identidade é efetuada pela Ioga, isto é, pela união íntima e essencial do ser com o Princípio Divino, ou, se se prefere, com o Universo. O significado da palavra "Ioga" é "união" e nenhum outro ... É de notar que esta realização não deve ser vista restritamente como uma "realização" ou como "a produção de um resultado não preexistente", segundo a expressão de Sankarâchârya, porque a união em questão, se bem que não atualmente realizada, no sentido em que nós o entendemos, não existe menos em potência, ou antes, virtualmente; o que está implicado é principalmente a obtenção efetiva pelo ser individual ... da consciência do que verdadeiramente é, desde toda a eternidade". (13)

Pelos estágios ordenados do processo da meditação, estabelece-se gradual e firmemente uma relação entre a alma e os seus instrumentos, até o momento em que eles são literalmente um. Os envoltórios servem então simplesmente para mostrar a luz do Filho de Deus internamente presente; o corpo físico está sob o controle direto da alma, pois a mente iluminada transmite (como veremos mais tarde) o saber da alma ao cérebro físico; a natureza emotiva está purificada e reflete simplesmente o amor da alma, como a mente reflete os propósitos de Deus. Assim, os aspectos separativos e até aqui desorganizados do ser humano são sintetizados, e unificados e postos em relação harmoniosa uns com os outros e com a alma criadora, fonte de energia e seu poder motivador.

Esta ciência da união implica uma disciplina da vida e um sistema experimental de coordenação. O seu método é o da atenção focalizada, o do controle da mente ou da meditação, e é um modo de desenvolvimento pelo qual efetuamos a união com a alma e conhecemos os estados de consciência internos.

"A verdade está dentro de nós; não nasce
Das coisas externas, ainda que assim o creiam.
Há um centro muito interior em todos nós,
Onde a verdade reside plenamente; e em torno de
Muro sobre muro, a carne grosseira envolve-a... e conhecer
Consiste mais em abrir um caminho
Donde o prisioneiro esplendoroso possa escapar,
Do que em efetuar uma entrada para a luz Supostamente fora." (Browning, Robert, Paracelso)

O objetivo da meditação é, portanto, tornar o homem capaz, de manifestar externamente o que está na sua realidade interior e de identificar-se com o seu aspecto alma e não simplesmente com as suas características inferiores. É um processo rápido para o desenvolvimento da consciência raciocinante, mas, neste caso, tem de ser autoaplicado e autoiniciado.

Pela meditação, a mente é usada como um instrumento para observar os estados eternos e, com o tempo, tornar-se um instrumento para a iluminação e por ela a alma ou Eu que transmite o saber ao cérebro físico.

Finalmente, a meditação suscita a iluminação.

Meister Eckhart, na sua coleção de sermões, escrito no século XIV, diz:

"Três espécies de homens vêm Deus. Os primeiros veem-nO pela fé; não conhecem mais dEle do que O podem descobrir através duma resposta às suas aspirações, como O que lhes dá a doçura, a devoção, a intimidade e outras coisas semelhantes... A terceira espécie vê Deus na luz divina." (14)

É esta luz que o processo da meditação revela e com a qual aprendemos a trabalhar.

O coração do mundo é luz e nesta luz veremos Deus. Nesta luz descobrir-nos-emos. Nesta luz todas as coisas são reveladas. Patânjali diz-nos:

"Quando os meios da união forem empregados com perseverança e quando a impureza for vencida, a luz faz-se", conduzindo à iluminação total. "A mente tende então para uma iluminação crescente quanto à verdadeira natureza do Eu." (15) Como resultado da meditação vem a irradiação da luz. Esta iluminação é gradual e desenvolve-se etapa após etapa." (16)

Voltaremos a tratar disto com mais detalhes, mais tarde. Pela meditação e como consequência de todos os fatores precedentes, são desenvolvidos os poderes da alma. Cada um dos veículos pelos quais a alma se exprime possui no estado latente certas forças inerentes, mas a alma, que é a fonte de todas elas, possui-os sob a forma mais pura e mais sublimada. O olho físico, por exemplo, é o órgão da visão física. A clarividência é a mesma força manifestada no que se considera como o mundo psíquico, o mundo da ilusão, do sentimento e da emoção. Mas na alma, este mesmo poder revela-se como percepção pura e visão espiritual infalível. As correspondências superiores dos poderes físicos e psíquicos são pontos em atividade funcional pela meditação, e assim substituem suas expressões inferiores. Estes poderes desenvolvem-se normal e naturalmente, não porque sejam desejados ou conscientemente desenvolvidos, mas porque ao mesmo tempo em que o Deus interno assume o controle dos Seus corpos e os domina. Seus poderes tornam-se aparentes no plano físico e as potencialidades manifestam-se então como realidades conhecidas.

O verdadeiro místico não se preocupa nem com poderes, nem com faculdades, mas apenas com o Possuidor destes poderes. Concentra-se no Eu e não sobre os poderes deste Eu. À medida que se funde mais e mais com a Realidade que é ele mesmo, os poderes da alma começam a manifestar-se normalmente, sem perigo e sutilmente. O processo é resumido por Meister Eckhart nestes termos:

"Os poderes inferiores da alma deveriam estar às ordens dos seus superiores e estes às ordens de Deus; os sentidos externos aos internos e estes à razão; o pensamento à intuição e a intuição à vontade e todos à unidade." (17)

As palavras do Dr. Charles Whitby, tradutor do livro de René Guénon: "O homem e o Seu Futuro", são apropriadas a este capítulo sobre o método da meditação. Faz alusão ao:

"testemunho esmagador do acordo mutuamente confirmador, em todos os pontos essenciais, das tradições esotéricas ocidentais, hindus, maometanas e do Extremo Oriente. A Verdade que tão rudemente denominamos de inatingível espera-nos lá, imutável na sua majestade sem mudanças e velada, é verdade, aos olhos prematuros e desdenhosos, mas sempre mais aparente aos buscadores sinceros e sem preconceitos. Segundo Plotino, o ato de contemplação que constitui essencialmente a vida de cada indivíduo e da humanidade inteira ascende gradualmente e, por uma progressão natural e inevitável, da Natureza para a Alma, da Alma para o Intelecto puro e do Intelecto ao Ser Supremo. Se é assim, a preocupação atual dos representantes mais adiantados do pensamento e da ciência, quanto às matérias psíquicas ou quase psíquicas, poderá, ou antes, deverá mais cedo ou mais tarde dar lugar a uma atenção igualmente séria, levada às matérias da mais alta importância." (18)

Assim, ver-se-á que os apelos feitos para a meditação são muito elevados e que o peso do testemunho dos místicos e iniciados de todos os tempos pode corroborá-los. O fato de que outros tenham atingido o fim pode encorajar-nos e interessar-nos, mas não faz mais, a não ser que tomemos alguma atitude efetiva. Que há uma técnica e uma ciência de união, baseada na correta manipulação e uso do corpo mental, pode ser profundamente verdade, mas este conhecimento não serve a nenhum propósito a menos que cada pensador educado enfrente a questão. Deve tomar uma decisão acerca dos valores implicados e empreender a demonstração do fato do mental, a sua relação nas duas direções (com a alma de um lado e do outro com o meio exterior) e finalmente manifestar a sua capacidade de empregar a mente à vontade, conforme escolher. Isto implica o desenvolvimento do mental numa síntese, ou senso comum, e o governo do seu emprego em relação ao mundo da vida terrestre, das emoções e do pensamento. Envolve também a sua orientação à vontade para o mundo da alma e a sua capacidade de agir como intermediário entre a alma e o cérebro físico. A primeira relação é desenvolvida e alimentada através de métodos sadios, de treinamento e de educação exotérica; a segunda é fornada possível pela meditação, uma forma superior do processo educativo.

_______

1. Russel, Bertrand, Mysticism and Logic, pp. 8, 9, 10, 11.
2. Bennet, Charles A., A Philosophical Study of Mysticism, p. 192.
3. Maréchal, Joseph S. J., Studies in the Psychology of the Mystics, pp. 32, 101.
4. Bhagavad Gitâ, VI, 6.
5. Romanos, caps. 7, 18, 19, 20, 22, 24.
6. Overstreet, H. A., The Enduring Quest, p. 265.
7. Jeans, Sir James, The Universe Around Us, p. 339.
8. Bailey, Alice A., A Luz da Alma, II, p.52. .
9. Ibid, IV, p. 2.
10. Pfeiffer, Fránz, Meister Eckhart, p. 1 14.
11. Bhagavad-Gitâ, VI, 16-17.
12. Bailey, Alice A ,,A Luz da Alma, IV, 22-24.
13. Guénon, René, Man and his Becoming, p. 37.
14. Pfeiffer, Meister Eíckhart, p. 191
15. Bailey, Alice A., A Luz da Alma, IV, 26
16. Ibid, III, 5-6.
17. Pfeiffer, Franz, Meister Eckhart, p. 40.
18. Guénon, René, Man and His Becoming, p. X

Início